quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Maria do Natal

Lembrei-me desta antiga colega de liceu, nos Açores, cujos pais eram velhos emigrantes nos EUA e que por todos os coleguinhas era tratada por 'Merry (Mary) Christmas'.
Espero, tantos anos passados, que a terapia a tenha ajudado a ultrapassar os seus traumas (ah, a ruindade da condição humana...) mas desejo sobretudo, a todos vós (termo utilizado, note-se, apenas nesta quadra festiva), um Natal daqueles e um 2009 diferente para melhor!
aquele abraço e o chocho repimpão,

Notícia de última hora

Amanhã é Natal!

O Pai Natal (LAPONIANEXT: NECAS) acaba de anunciar que este ano haverá Natal. Depois de intensas negociações com o Menino Jesus, as duas partes chegaram a acordo e o Mundo (católico e pagão – agora um pouco menos “pagão” e mais endividado por causa da crise) pode descansar finalmente. O conselho de Administração da nova Joint-venture reúne-se hoje, pela meia-noite, será constituído por Gaspar, Belchior e Baltazar, e será assessorado por duas ovelhas, três pastorinhos e um coelhinho de chocolate.

Assim sendo, resta-me desejar-vos um Feliz Natal, um fantástico ano novo cheio de realizações pessoais e sempre com bom humor!

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS

FELIZ NATAL
BOM ANO NOVO!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

E ao que parece ...

teremos paparoca natalicia na próxima semana.
Alguem sabe outro remédio que não o Guronsan para a ressaca?
É que me quer parecer que vou precisar!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

despedida com ques, exclamações e reticências

E pronto. Poucas palavras só para vos dizer, melhor, agradecer a ressaca sentida este passado sábado de manhã.

As saudades - como o amor - provocam terríveis efeitos secundários. Dei comigo lacrimejante, em apaixonada audição de "Time to Say Goodbye" (sim, Andrea Bocelli & Sarah Brightman). A propósito, só há uma coisa mais foleira que uma cantilena de Sarah & Andrea - é precisamente o uso sem aviso prévio do "&".

Mais a sério, obrigado. Não poderia ter desejado melhor estreia como 'formador' (que palavrão). Espero voltar a ver-vos ou, pelo menos, a ler-vos. Fico por aqui por prudência. É sabido que tenho o coração ao pé da boca.

Despeço-me apenas com as seguintes palavrinhas (e adereços): Feliz Natal e até jááá!!!..........................................................................................

ps: as avaliações finais chegam amanhã, por mail.

Vamos matar os formadores



exercícios do último dia sobre NCS



O Nuno morreu. Em 2077, já era altura de aqueles que no princípio do século faziam o povinho rir irem à vida – ou desistirem dela. Ergue-se agora uma nova era. Betina Botox, chegou. Acabaram-se os aforismos de pastelaria e as observações sagazes de Dona Bina. O sentimento geral é de alívio. O mundo vivia assombrado desde que, em 2008, Nuno Costa Santos achou ser seu dever incentivar um bando de energúmenos a escrever de forma “criativa”. Foi o princípio do fim. Ícone de uma época em que o blogue era uma forma de disseminar piadas de algibeira o Nuno influenciou muitos dos que se vieram a notabilizar nessa plataforma. Numa era em que se sabe que o humor é obsoleto, as palavras e ensinamentos de Nuno cairão depressa no esquecimento. O Nuno morreu esta madrugada, esperamos que os outros se sigam.


Joana Mil-Homens


Ele já não está entre nós. Deixou-nos, ontem, o homem que se destacou no mundo da moda cosmopolita. Era considerado um Deus no mundo das passerelles. Foi vítima de ataque cardíaco, quando o seu mais jovem manequim lhe revelou que é heterossexual. Nuno Costa Santos ficou conhecido como o primeiro homem a fazer capa na Vogue. Começou a carreira aos 25 anos, quando desenhou os cortinados que a sua tia, anos mais tarde, lhe ofereceu como meias. Criou também as camisas que Dunga leva para os jogos do Brasil e as que vestem Herman José no programa “Roda da Sorte”. Foi casado com Brigitte de Sousa durante 5 anos mas a relação termina quando Nuno Costa Santos assume a sua paixão pelo filho mais velho, Jeremias.
Fora da moda, escreveu ainda o romance auto-biográfico “Melangótico”. Tinha um Honda Civic comprado na Feira da Ladra, no Verão de 1992, que aproveita agora para colocar à venda, com este anúncio.
Nuno Costa Santos foi, para muitos, o rei da fashion life portuguesa.
O outro, com um nome igual, vai continuar a escrever para rádio e televisão.

Pedro Alves


Nuno Costa Santos morreu esta manhã, enquanto dava uma aula de escrita criativa no Hotel Amazónia, em Lisboa. O coração do famoso guionista açoriano não resistiu a tanta criatividade espontânea do grupo que se auto-denomina “Bomba Criativa”.
Para a posteridade, fica a sua extensa obra literária, da qual destacamos, a telenovela, escrita em parceria com Luís Filipe Borges, um dos maiores sucessos de sempre da TVI: “Rir para não chorar”.

Mónica Cunha


Deu ontem a sua última gargalhada Nuno Costa Santos. E com ela outras tantas ficarão por dar. Guionista, Costa Santos foi autor de infindáveis linhas que muito animaram este país e, no entanto, sem nunca retirar uma peça de roupa publicamente.
Natural de São Miguel, começou cedo a fazer os outros rir. Os pais dizem que a primeira palavra - rabo - soltou-lhes o primeiro sorriso. Aos 7 anos, escreveu a primeira graçola, ao satirizar o anormal traseiro da sua professora de então, D. Efigénia. Esta fixação revelou-se mais tarde vencedora, ao receber o primeiro prémio da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia, pelo melhor sketch sobre obstipação.
Aos 40 anos, Nuno foi atrás do sonho e tornou-se no primeiro guionista português a “ganhar” um Óscar. Este episódio suscitou particular empolgamento de todos os portugueses: bandeiras voltaram a desfraldarem-se nas janelas para receber o guionista, T-shirts impressas com a sua cara, cachorros passeavam airosamente bonitas estampas do humorista, até que se descobriu que tudo não passava de um equívoco e que Nuno, afinal, tinha ganho um Óscar mas para melhor guião para filme pornográfico, pelo seu trabalho na película: '(B)analidades no Convento'.
Personagem tímida, mas detentor de uma capacidade anormal para fazer rir, sempre se sentiu feliz por fazer os outros felizes. Aliás, foi essa a sua motivação de vida: dar cor aos outros num mundo a preto e branco.


João C.


Experimentador de contemporânea genialidade, guardava em si o mistério da incerteza de um sim ou um não, de um aprovado ou desaprovado, por baixo de um esgrouviado penteado assimétrico para o lado esquerdo. De face robusta e maxilas proeminentes, não escondia uma boca cheia de palavras quando falava - tantas eram as que queriam sair que muitas lá ficavam -; o português dos Açores preenchia-lhe o discurso.
Jovem, de tez clara contrastada com tons escuros das suas vestes usuais, não conseguia deixar de transparecer uma cordialidade e humildade que muitos ousariam usar. Suas obras ficavam em segundo plano no dia-a-dia com excepção dos diálogos acesos com colegas de profissão. Há que lembrar um tête-à-tête com Nilton, um verdadeiro confronto de pesos plumas corpóreos, pesos pesados intelectuais. Num mundo onde não há vencedores nem vencidos, NCS foi um lutador por excelência onde guerreava pela satisfação de ter ideias que outros haviam pensado.
“Porque o que tem que ser tem muita força”.

R de Albuquerque


Morreu no sábado passado, mas não subiu aos céus. Ficou-se pelo caminho. Ainda pensou em ir, apenas porque seria o mais natural. Em vida, ainda que curta, nunca partiu muitos pratos, foi o filho que qualquer pai deseja ter, o marido exemplar, o pai extremoso. Era querido por todos no seu universo. Não se lhe conheciam inimigos, se bem que houvesse alguns rumores acerca de um tal Borges, seu conterrâneo e camarada de algumas aventuras profissionais. Ele é, até ao momento, o principal suspeito de o ter empurrado para o Tejo, depois de uma acesa noite de tertúlia e escrita criativa, causando o seu afogamento. O alegado assassino continua foragido. Mas isso agora não é para aqui chamado…
Foi por ter tido uma morte ingrata, nada glamourosa e ainda por cima gelada (a sua autópsia ditou hipotermia) que NCS (como era carinhosamente tratado pelos seus pares) se quis vingar da vida pacata que levara. E pela primeira vez, ser diferente daquilo que se esperava. Consta que pelo caminho, à entrada do purgatório, encontrou dois malfeitores que o desviaram da subida aos céus. Visto ter-se finado antes do esperado, decidiu ceder – pela primeira vez na vida, oops! já não foi em vida – a uma tentação. Esqueceu JC e ficou-se pelo purgatório, o sítio ideal para ele. Era o céu, sem o ser. Não era o inferno, mas para lá caminhava. Perfeito. Assim não precisaria de tomar partidos. Na caixinha onde a sua mulher ainda guarda as cinzas, mesmo em cima da máquina de lavar a loiça, lê-se agora: foi feliz depois de morto. É por isso que não consegue atirá-las ao Tejo, como era de sua vontade.

Luísa Oliveira

obituários de LFB



último exercício do curso: vamos matar os formadores!


Com um brilhozinho sinistro nos olhos, Luis Filipe Borges foi “desta para
melhor”. Para trás deixou meia dúzia de pastéis de nata, uns quantos códigos
empoeirados na estante, um moleskine com piadas de mau gosto e a quota das
Produções Ficticias por pagar. Assim o deixou escrito: “quando morrer, quero ir
todo “nuzinho” e apenas trajar a minha boina”.
Desde criança que mostrou aptidão para a escrita e para o discurso, não eram
raras as vezes que em que na base das Lajes se ouvia um “madafucka”
estridente ou uns sarcasmos sobre as orientações sexuais dos habitantes de
Rabo de Peixe. Mas o arquipélago das 9 ilhas era demasiado pequeno para ele,
queria mais, queria o continente, queria a capital, queria o mundo. É certo que
não o conquistou, mas escreveu uns livrinhos engraçados e deu uns quantos
workshops de escrita criativa. Pelo meio ainda contribuiu para a decadência da
televisão portuguesa com uns seriados policiais e uns talkshows de variedades
várias.
É sempre uma perda para a humanidade quando alguém “assim assim” morre.

Catarina Carrola


LFB, ex apresentador do programa da tv 2 a “revolta dos pasteis de nata” advogado e escritor, quinou a passada quinta feira por volta das 7 horas da manhã depois de um prolongado enfarte do miocárdio enquanto vegetava em sua casa. O corpo foi encontrado sorridente, despido, suado e coberto de bolinhos de chocolate. Ao seu lado encontravam-se variados exemplares de escrita, desde a comédia ao drama, passando por telenovelas e pequenos sketchs.
Luis será recordado entre os seus amigos pelo riso alarve e contagiante, pela forma como sorria e fazia sorrir, pela sua boina caractrística de quem tem excesso de testosterona.
A forma como espalhou magia quer nos bastidores quer nos palcos será para sempre recordada. Inspirou novas gerações, criou novos criativos e mostrou que o melhor da vida são as memórias que deixamos para outros recordarem.
A jantarada de comemoração será na tasca do Alfredo no Domingo pelas 19 horas, onde são esperadas centenas de amigos.

João Mendes


Faleceu, há precisamente 24 horas, Luís Filipe Borges. Podíamos (e talvez vocês o façam) chorar amargamente a sua partida, mas ainda estamos indecisos; ainda não sabemos se tal figura merece que toda a nossa face seja impiedosamente lambida por lágrimas que facilmente podem ser questionadas. Mas adiante, passemos para uma matéria onde nos possamos sentir mais confortáveis.
A morte de Luís Filipe Borges está, com efeito, a gerar controvérsia junto da família do defunto, pois ninguém, nem sequer uma pessoa, está com vontade de assumir as despesas para aquele que seria o funeral de sonho que o mesmo tinha idealizado em vida. Porém, ainda não sabemos o desfecho desta situação, uma vez que não conseguimos chegar à fala com nenhum dos amigos do falecido.
Não desesperem, possíveis fãs do homem da boina, pois ainda há esperança que as últimas vontades do morto sejam cumpridas. (Não sabemos é se amanhã nos deixam utilizar um pouco de página do jornal para que possamos informar os leitores dos acontecimentos que possam vir a ocorrer…)
Até lá, lamentem. Nunca ninguém disse que seria fácil, também nunca ninguém disse que seria tão difícil, mas enfim… lamentem.

Rita Oliveira


Finou-se Luís Filipe Borges. LFB para os amigos e para os formandos do curso de escrita criativa. Um gajo com o coração ao pé da boca de onde saem disparadas e sem qualquer controle todas as emoções e mais duas ou três ou quatro. Nuno Costa Santos, seu amigo de longa data, tinha sérios problemas em refrear o seu entusiasmo e terá, em nome da amizade, uma ou outra vez procedido ao seu amordaçamento. Consta que a amizade não esfriou apesar disso e LFB assim que se apanhou sem a mordaça gritou “Acho que vou fumar mais um cigarro”. LFB era um homem de paixões, paixão pela escrita, pelo humor, pelo Batman interpretado pelo Heath Ledger (fodasse!) pelas mulheres. Talvez por isso desejasse casar e casou. Era um homem da noite, andava quase sempre às três da madrugada a tentar salvar o mundo, mas o mundo não queria ser salvo e dizia-lhe não raras vezes e passamos a citar: Oh pá “deslarga-me” que não quero ser salvo, porra.

Poucas foram as pessoas que lhe ficaram indiferentes na sua passagem pela televisão, não tanto pelo que dizia, mas porque não conseguiam tirar os olhos dos tentadores pastéis de nata com que ele conseguia atingir estrondosas audiências. Todas as semanas as pessoas pensavam que ele havia de revelar a receita dos pastéis de Belém e ele, esperto, deixava-as acreditar que sim. Era um homem a quem ninguém ficava indiferente. Eu não fiquei e vou certamente recordar a sua passagem pela minha vida durante muito tempo. Pelo menos até daqui a umas horas enquanto o vinho do almoço não faz efeito. E talvez também o recorde no dia em que ao abrir a gaveta me pergunte: que boina é esta?

Andreia Moreira


Morreu Luís Filipe Borges. Mas não queria. Por sua vontade, teria ficado por este mundo até à eternidade. Lutou até ao fim pelo seu lugar ao sol, procurando as palavras que ainda não tinham sido ditas, que ainda não tinham sido descobertas. Correu incessantemente atrás do momento que ainda não tinha vivido e encontrou-o, finalmente. Por isso, ficamos felizes.
Como bom português, não interessa se fez bem alguma coisa, o que interessa é que deixou obras, todas elas parcas em reticências e pontos de exclamação. Proclamou sempre que o estilo “subversivo” é garante de genialidade. Ou disso ou de perturbação. De qualquer forma, andam sempre juntas. Fosse qual fosse a que ele tinha, morreu com ele.
Família e amigos agradecem que o acompanhem à sua última morada porque ele tem medo de morrer sozinho.

Antónia Marinho


Pereceu, por ter ido à máquina num programa de roupa branca, Beret, ‘O fazenda preta’ nos momentos mais escassez cerebral ou o ‘O Nylon Riscas’ nos dias mais cool e criativos. Foi esta idiossincrasia têxtil que o tornou famoso.

Vanessa Luz


Faleceu hoje inesperadamente, devido a engasgamento profundo com o folhado crocante dum pastel de nata tamanho XL, o humorista português Luís Filipe Borges.
Conhecido Açoriano, a ainda jovem promessa portuguesa, estava actualmente ligada aos microfones do Rádio Clube Português onde, em vibrante parceria com o comentador desportivo Rui Santos, assumia uma crónica de humor diária. Parceria essa, que estava aliás a dar os seus frutos além ondas hertzianas, atendendo que a dupla estava em conversações com o actual director da Sic Generalista, no sentido de assegurar uma presença semanal no canal, num formato ainda por definir.
Confrontado com esta enorme perda, o Luís Filipe não era um homem leve, o Governo Regional dos Açores declarou ter hoje solicitado à família autorização para utilizar a imagem do falecido humorista numa campanha anti-tabaco, reaproveitando o facto de este “fumar como um cavalo”, o que se acabou por revelar manifestamente nefasto para o seu bem-estar.


Margarida Santos


Num mundo cinzento,
De personagens pardas e opacas,
raros são os casos sem corantes, rouge ou lacas.

Vivem sem viver,
Fechados no seu reflexo,
Nunca são nada para os outros,
Nada de dar um amplexo.

Mas há estilos diferentes,
Há aqueles que têm muita graça,
Fazem os outros felizes,
Fazem esquecer a desgraça.

Partilham o seu fascínio
Pelas coisas em redor.
Partilham o seu passado,
O que sabem, sem ser de cor.

De boina na cabeça,
Notava-se ao longe a diferença.
Era um dos tais exemplos
De quem dá vida ao que pensa.

Passou por nós num ápice.
Apesar de tanta comédia, do teatro, do romance
Deixou-nos apenas o prefácio,
Deixou a vida num relance.

A sua imagem marcante,
Nunca nos abandonará.
O seu estilo vibrante;
Hoje, o Luís não está cá!

Pedro Vozone


Portugal despede-se hoje, no Panteão Nacional, do mais ilustre desconhecido sob boina, exemplo mor da mediocridade humana. Quem o conheceu diz que mais valia não ter conhecido. Os poucos amigos que Luís Filipe Borges ainda tinha garantem que, nos últimos dias de vida, ele já não conseguia tirar a boina da cabeça. E é assim, com boina, que o podemos ver, inerte, ridículo, de urna aberta.
Médicos legistas garantem que a boina terá adquirido vida própria e sugado toda a energia vital do corpo do hospedeiro. A boina terá sugado também uma ou outra onda cerebral que, muito esporadicamente, ia apanhando por aqueles lados. A usurpação do corpo pela boina é a causa oficial do óbito, para espanto da generalidade dos médicos legistas e da comunidade dos vendedores de boinas portugueses.
Dirija-se ao Panteão Nacional e tire o chapéu ao homem que não o conseguiu tirar e, ingloriamente, morreu por isso.

Susana Tavares

Secção de Necrologia do Semanário “Hoje não há bolinhos”

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

(Boas) Recordações

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

most likely to suck syd (ou O Inferno de Gante)


Eleito pelos colegas, com 8 num total de 19 votos (uma maioria relativa que Ferreira Leite não desdenharia), o tímido João Gante fez um discurso de agradecimento do qual se destaca o seguinte trecho:
"Penso que era isto que Pacheco Pereira queria dizer quando, há 15 anos, previu categoricamente que o país iria bater no fundo".
Além de um constante trabalho de excelência - e o part-time como proxeneta de Svetlana, Gante produziu aforismos espontâneos, em aula, como por exemplo:
"Sou um prado verde com telhados de vidro"
"Para mim, não há nada mais interessante do que as coisas e pessoas normais"
e
"Pá, dão-me licença que saia? Estou mesmo à rasquinha"
Aqui fica a devida homenagem.

I (we) feel good


Texto sem 'que's", do João Mendes

( Perdi a folha com o meu texto por isso vou escrever um novo. OBVIAMENTE que não está tão brilhante como o anterior, mas vou tentar manter-me fiel àquilo que escrevi na aula... há 2 meses)

Sentado na aula, debaixo de pressão, Francisco “come” a caneta enquanto puxa pela massa cinzenta. Escrever restritamente é a missão. Pela primeira vez sente-se pressionado não para apresentar números mas para escrever. Agarra a caneta e deixa-a deslizar. Imagina a sua pessoa numa visão longínqua e observa. Descobre os seus tiques, as suas manias, as suas formas. No fundo aprende sobre si de uma forma que nunca aprendeu. Repara no seu “irmão” gémeo carinhosamente enquanto este se rende, deslizando a caneta ao desenrolar dos acontecimentos. Ele escreve enquanto Francisco visualiza. É impressionante como o distanciamento permite compreender quem somos, como vivemos, que manias e feitios possuímos. Lá em baixo o irmão gémeo sorri com o desafio, pára, levanta a cabeça e volta a escrever transmitindo a nítida sensação de alguém que acaba de descobrir uma nova forma de expressão, a escrita. “Faltam 2 minutos”. Francisco desce à terra e funde-se com o escritor, ao estilo Songoku, sinergindo num novo ser. Mais amplo, mais culto, mais vasto. “A mente é como um pára-quedas. Só funciona se o abrirmos".

Joaquim parte para a guerra


Os formadores gostariam só de dizer que nutrem o maior carinho pela Dra. Odete Santos. Obrigado.


Depois do colapso financeiro de 2008 o mundo não voltou a ser o mesmo. O continente americano foi “engolido” pelos glaciares e a disputa por terrenos no médio oriente faz parte da nossa civilização. Com os preços do petróleo a atingirem máximos históricos a cada hora, as tropas portuguesas optaram por usar na sua frota Gocars. Os pequenos, agora "verdejantes” veículos circulam em caravava pela 125. Milhares de Gocars equipados com sistemas de navegação de topo, aramamento anti-nuclear, sondas e walkietalkies, enquanto as brigadas da GNR enbigodadas escoltam a esperança portuguesa. O objectivo militar de Portugal no médio oriente é recuperar... Mariza.
Mariza, depois de inúmeros arrojados cortes de cabelo, ousou na sua digressão mundial cantar para a família do Sheike Xupanatola. Relata-se que após o sucesso alcançado no concerto, Mariza foi cobiçada pela familia inteira de 30 bigodinhos, tendo sido prometido - em troca da sua sodomização - o envio de 1 milhão de barris diários de petróleo para Portugal. O cerne do conflito é precisamente o facto de Mariza estar completamente esgotada e sem forças... e o petróleo nunca mais chegar. A fadista tem bombado o mais que pode, mas tornou-se inevitável a intervenção das forças portuguesas para forçar o cumprimento do acordo. Duarte de Bragança e a sua Isabelinha acompanham inclusivé a comitiva Portuguesa, tendo o actual Rei de Portugal já noticiado que em caso de haver risco das negociações fraquejarem, Odete Santos tinha sido colocada na mala de um verdinho como Joker final.


João Mendes


ps: como diabo é que aquelas três cançonetas te levaram a este delírio?!

eu, travesti, me confesso

Vai por um aí um legítimo mistério nos comments. De facto, postei vários textos como 'Lulu'. Apesar de, vistas bem as coisas, o petit nom se me adequar na perfeição, a verdade é que não faço a mínima ideia como tal sucedeu. Sonambulismo, talvez. Seja como for, estou assustado.

Etelvino, um tuga à antiga

O João Santos teve a despedida de solteiro, o casório e a lua-de-mel, mas ainda arranjou tempo para fazer tpc's em atraso. Belo perfil. Etelvino podia perfeitamente beber minis com o serial-killer do João C.
Homem pequeno, “cinquentão”, simples, chico esperto.
Veio novo (16 tenros aninhos) para Lisboa viver com um tio cuja ingenuidade era tão grande como a honestidade, nenhuma.
Vivia sobre o café do tio e apesar da 4ª classe tirada a ferros (especialmente o ferro com que o pai lhe batia pelas más notas e lhe deixou nas costas marcas da necessidade do trabalho árduo) , apanhou as manhas nada coerentes com os ensinamentos de seus pais, que ainda viviam em Manteigas com os seus 13 irmãos, rasando a pobreza.
Aos 18 anos tinha passado tantas notas de 100 escudos por debaixo do nariz do tio como mulheres pela cama, nenhuma paga mas a todas sempre prometidas a propriedade do café.
Aos 20 torna-se dono do café e inicia novo negócio – compra de casas velhas a preço baixo, recuperação pelas próprias mãos ou de dois rotativos negros ilegais a quem nunca paga e venda a preço inflacionado. Mantém o sotaque e discurso simples, merecedor do título de “parvónio”. Rapidamente passa da venda ao aluguer, mais lucrativo – 10 brasileiros, T0, Intendente, 300 contos não declarados.
Aos 30 casa com Arnaldina, a moça mais bela de Manteigas, 15 anos mais nova, daquelas que quando se fala do marido, se diz facilmente “o seu pai disse-me…”, e que rapidamente se torna tão “fresca” como seu marido, a quem encorna com o homem dos donuts.
Hoje aos 50, a fidelidade de Etelvino é tanta como aos 18, o cabelo branco já vai aparecendo mas o sotaque e o ar de agricultor que acaba de chegar à cidade mantém-se.
No testamento não declarado (nem à Arnaldina) estão um milhão de contos espalhados em vários bancos, três cafés, cinco moradias, 12 prédios e 300 inquilinos (200 brasileiros e 100 russos, malta porreira que paga e não pia, bastando a ameaça dos amigos “vestidos à SEF” para os calar) e o mesmo Mercedes velho do tio, pois há que manter as aparências.
Não se lhe conhece outro casaco há anos, tal como as camisas do tempo da outra senhora, nem palavras na boca como “gastar” ou “novo”, excepto quando comprou o Mercedes à Arnaldina para acabar com os “pulos na cerca” com o homem das cervejas.
A mulher entra para trabalhar às 6h30 todos os dias no antigo café do tio, os outros dois estão na mão dos filhos. Etelvino passa o dia a comprar, arranjar e alugar casas e faz o fecho do café do tio com os bêbados da zona, amigos, a quem oferece um copo depois de roubar três e a quem diz que a empregada nova (com quem dormiu pelo menos cinco vezes, o mínimo) mandou-a embora porque era mais ladra que o Sócrates!

3 músicas



Requiem - Mozart


Ondas que rebentam nas tuas praias, amor. Rex, sou o teu rex, qual requiem de cada onda que a paixão faz morrer em ti, minha praia. O sal escoa-se por entre os grãos de areia que são os teus dedos, que te absorvem cada gota e me deixam dentro de ti. Entre cada vaga, momentos de calma; o ruído da onda a crescer, a água a deslizar num ruído crescente sobre mais água, até rebentar na areia e nós rebentando em nós, até a onda parar e recuar de novo até ao mar. Sol. Está sol na nossa praia, aquecendo as ondas e a areia que nós somos, quentes que estamos como o sol e nem a frescura das ondas arrefece. Vento. Não há vendaval que nos separe. A bandeira vermelha ondula e não nos consegue parar. As nuvens galgam o céu e, como nós, fundem-se no azul, fundem-se numa imagem única de céu, sol, mar, areia, vento. Nós somos o azul do céu e o mar e o mundo e a vida toda num só momento.

The Strokes – you only live once

Fomos no comboio da tarde. Estava cheio das míudas que, no comboio, não tínhamos coragem de abordar mas que, dentro dumas horas, estariam nos nossos braços na matiné da tarde. As matinés de sábado eram assim: o comboio até Cascais, o passeio a pé pelo Santini até à discoteca. Martha and the muffins abriam a tarde de felicidade, glorificada pela meia-hora de cada passagem de slows. Agarrados como lapas à miúda que tinha estado a olhar para nós toda a tarde até a música amansar. Os beijos, os abraços, a ternura, até à nova matiné.

Morrissey – the first of the gang to die

Vi uma esplanada cheia de nada e com vontade de ali não estar. Vi um largo com pombos parados, quietos como se com medo de serem notados. Vi uma matilha de cães vadios no centro da capital. Não havia autocarros a passar. As árvores estavam carregadas de folhas verdes naquele Outono. O céu estava verde. As motas passavam em silêncio. As ambulâncias estiveram paradas. Ninguém morreu. Várias pessoas adiaram o seu testamento. Não te tive nesse dia.

Pedro Vozone

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

exercício de inspiração musical



Abro os olhos.


Estou numa sala sombria e fria. Há minha volta há gente vestida de negro. Oiço-os chorar. Procuro passar entre as pessoas para chegar ao centro da divisão. Faço-o com uma surpreendente facilidade. Ninguém parece dar por mim. Olho em frente, e vejo o Nuno. Está velho. Muito mais velho. Ao seu lado estão duas lindas mulheres. Reconheço de imediato as minhas filhas. Estão os três a chorar, juntos num só abraço. Olho melhor em meu redor, e confirmo o rosto de amigos, da família mais próxima, de alguns colegas. Olho finalmente para o centro da divisão. Um caixão. Enorme e maciço, anunciando-me o que sei mas ainda não quero crer. Corro, mas os meus passos parecem estar em câmara lenta. Aproximo-me e vejo.


Abro os olhos.

Vamos pela Marginal. Na Radar tocam os Strokes. A música está alta. Como eu gosto. Ao meu lado o Nuno vibra com o som. Estamos só os dois e hoje venho eu a guiar. Pusemos as miúdas nos avós e seguimos para o Coliseu para ver Franz Ferdinand. O tempo ainda está um pouco fresco, e na Marginal o céu tem um azul diferente. Mais luminoso. A música continua a bombar, e mal posso esperar por começar a dançar.


Abro os olhos.

Por momentos não reconheço o local. Fazem já tantos anos. O entra e sai de gente, distrai-me e impossibilita uma identificação em tempo útil.
Queres alguma coisa? – Oiço dizer nas minhas costas, e reconheço-me de imediato naquelas palavras. Estou 15 anos mais nova. E no olhar a inocência de quem ainda acredita que vai mudar o mundo. O Nuno chama-me. Espera, grito-lhe, bebendo o café dum só trago. No bar a música continua a tocar. É Morrisey, mas sem os The Smiths.

Margarida Santos

isto não interessa nada

Escrever sobre nada. O oposto da minha vida. Sempre tão espartilhada pelos temas, pela actualidade, pelo espaço, pelas fotos, pelas fórmulas. Aqui só sobrevive a pressão. A pressão dos prazos, a rapidez no dedilhar, a música para a inspiração. Que silêncio. Que estranho. Será que interessa a alguém a minha escrita, só por si, sem opiniões alheias, sem contraditórios. Sinto-me de novo a descobrir o fascínio da folha em branco. Ali. Disponível. Inteirinha só para mim. Isto quase parece um diário ou aquelas diarreias mentais que tinha em adolescente. Já não tenho idade para isto.
Gosto da música. Gosto de música. De clássica. Para escrever é o ideal. Costumo ouvir Chopin, os nocturnos tocados por Maria João Pires. Mas também gosto de me evadir do bruá alheio com sons do mar. E lembro-me sempre de uma vez que estava num avião a regressar do Brasil (por cima do oceano) e aquilo não parava de tremer, e eu - que também não parava de tremer - pus os auscultadores no programa de relaxamento. Acto contínuo, oiço: «Imagine-se no fundo do mar…» Tão adequado, pensei. E não me acalmei, como é óbvio.
Mas quando a música tem demasiado ritmo, ou letra intensa, deixo de ter concentração suficiente para me evadir – e lá se vai, em sonhos, a sala escura das massagens. É superior a mim. Começo imediatamente a trautear a letra (se não a souber de cor, invento), o corpinho, a medo, vai bamboleando-se, o pé a bater ao ritmo. Que se lixe o texto. Gosto mesmo de dançar. De música, de letras em inglês. Foi a achar que cantava essas letras que aprendi a língua, ou a ver desenhos animados com legendas ou filmes. Do Hitchcok, no quarteto. Eu e a minha mãe. Vimo-los todos. Que bons que eram. Que são. Tenho pena de já não ter essa disponibilidade para o cinema e com isso as saudades do tempo em que não era super mãe. Tento furar o esquema sempre que posso. Aproveitar horas de almoço, encher-me de go natural nas cadeiras do cinema do Oeiras Parque. Sozinha. Sozinha, mesmo, só eu e o senhor «Cine Paradiso». Sabe a pouco, até porque os filmes que por lá passam deixam muito a desejar. A propósito: tive uma surpresa no último que vi. Ao ler o genérico descobri que um dos meus formadores (que raio de nome, mas também assim de repente não arranjo outro) fazia parte do elenco. Se sentir saudades disto, posso sempre (re)vê-lo no grande ecrã.

Luísa Oliveira

O carro falante

GoCar recusa-se a falar com a Mónica porque está em greve.
MÓNICA
Não dizes nada?
GOCAR
Agora não me apetece.
MÓNICA
Mas eu paguei para te ouvir falar de Lisboa.
GOCAR
Não sou nenhum papagaio, sou um carro amarelo.
MÓNICA
Um carro falante, é suposto falares enquanto andas.
GOCAR
Hoje não. Estou em greve.
MÓNICA
O que é que se passa?
GOCAR
Sinto-me muito cansado. Os turistas, ou melhor, as turistas não me largam.
MÓNICA
Tens dado muitas voltas?
GOCAR
Imensas. E o pior é que trabalho todos os dias.
MÓNICA
A sério?
GOCAR
Sim, Sábados e Domingos incluídos.
MÓNICA
Talvez seja melhor falares com o teu chefe. Em vez da greve, pede-lhe um aumento.
GOCAR
Aumento? O tipo é um sovina do caraças. Só pensa em facturar.
MÓNICA
E o negócio corre-lhe bem.
GOCAR
Pois claro, à minha custa. Resmas de gajas a querem circular comigo.
MÓNICA
E tu, não gostas? Não me digas que…
GOCAR
Não, nada disso. Mas às vezes, não chego para as encomendas.
MÓNICA
Agora que já nos conhecemos melhor, aceitas dar uma volta comigo?
GOCAR
Está bem miúda. Põe o cinto. Puseste o capacete preto? Deixa ver. Fica-te bem.
MÓNICA
Deves dizer isso a todas.
GOCAR
Não a sério, a ti fica-te muito bem.
MÓNICA (sorri)
Onde é que vamos?
GOCAR
Queres ir a Belém?
MÓNICA
Podemos parar nos pastéis de nata?
GOCAR
Claro, paramos onde tu quiseres. Como sou pequenino, sou fácil de estacionar.
MÓNICA
O tamanho conta, a teu favor.
GOCAR
A nosso favor miúda. Estás a gostar do passeio?
MÓNICA
Estou, mas as pessoas não param de olhar, já viste aqueles a acenar.
GOCAR
Buzina miúda. Carrega na minha buzina.
MÓNICA (Carrega na buzina e acena)
Não sabia que era tão conhecida.
GOCAR
Não é para ti, é para mim miúda.
Tás a ver aquelas japonesas, já se sentaram aqui no colo do paizinho.
MÓNICA
As mulheres não resistem a quem lhes faça rir.
GOCAR
Eu sei miúda. É cada história.
MÓNICA
Conta-me uma divertida.
GOCAR
Já sabes aquela dos “mais loucos corredores de escrita criativa”?
MÓNICA
Não, conta lá.
GOCAR
Os tipos resolveram fazer uma corrida mesmo em frente aos Jerónimos.
MÓNICA
Tás a brincar.
GOCAR
Juro pela minha mãezinha. Só pararam de acelerar porque apareceu a bófia.
MÓNICA
Conta mais.
GOCAR
Conheces aquela do tipo da boina às riscas?
MÓNICA
Não. Conta lá.
GOCAR
O tipo foi perseguido pela polícia porque foi confundido com os irmãos metralha.
MÓNICA (RI)
És o máximo.
GOCAR
Tu também miúda.

inspiração à pressa


A ópera continuava, sonante. Em cena, Turandot ordenava aos seus criados para correrem toda a cidade à procura de alguém que soubesse o nome do príncipe desconhecido. Aquele misto de sentimentos, a raiva misturada com a surpresa, o desespero misturado com o prazer afloravam em Turandot. Só equacionava salvar-se, encontrar a chave que manteria a tranquilidade da ausência da mudança. Quem seria aquele príncipe que ousou desafiar as suas leis? Nessa noite, ninguém dormiria. Intrigada, Matilde pensava: Onde raio se meteram eles?
Ao mesmo tempo, Carlos e Mariana corriam nos becos da rua do Porto. Tinham decidido abandonar a festa e os amigos, sem que ninguém desse por isso. A fuga garantia a felicidade que lhes estava prometida e não podia ser adiada. O cachecol servia de corda rebocadora para que Mariana aguentasse o fôlego da corrida.

Num 3º andar, batia à porta Carolina. Deixou para trás tudo o que caracterizava a vida dela naquele momento. Tinha tomado uma decisão: recomeçar. Como todos os recomeços, fazia-o a chorar porque há que reequilibrar os fluidos para que tudo faça sentido outra vez. Levava o saco de viagem na mão, com tudo aquilo que era prioridade na vida dela. O resto, que ficasse para trás. Traria memórias que não lhe interessavam. Desceu as escadas a correr e, no momento em que trespassou a porta, cortou a meta: o cachecol de Carlos e Mariana jazia no chão.

Antónia Marinho

o mordomo - uma história em três melodias


Mozart

Desespero. Sensação de urgência, de aperto no peito. Naquela manhã, o patrão tinha sido encontrado morto na biblioteca escura da mansão, entre as intermináveis estantes de livros empoeirados. Gritos cavernosos anunciaram a sua morte. Fora encontrado pela empregada, no chão de mármore, gélido e ensanguentado. Fora agredido com o pisa-papéis que sobre ele repousava, manchado de um vermelho-sangue. Naquela manhã fria de Novembro, a mansão ecoava gritos de pesar e de horror. O inspector prepara-se para anunciar aos enlutados o assassino do patrão. “Será que foi o mordomo?” – balbuciou a viúva, entre lágrimas. “É sempre o mordomo” – concluiu a empregada, leitora ávida de romances policiais, fã de Agatha Christie e de Pedro Vozone.
O jovem mordomo inglês assistia ao discurso do inspector, prostrado numa poltrona, no fundo da sala. Quase paralisado. A culpa estampada no seu rosto não significava que tivesse sido ele o autor do crime. Desta vez, para espanto da empregada e dos fãs de romances policiais, o assassino não era o mordomo. A culpa do mordomo existia, somente, por ter estado na biblioteca, na noite do crime, com o filho do patrão, seu amante.

“You only live once”
O filho do patrão não partilhava o sentimento de culpa do mordomo. Depois de, brutalmente, ter assassinado o pai, partiu no Bentley do velhote, estacionado à entrada. E viajou sem destino, livre. Não fugia do que tinha feito naquela noite. Pelo contrário. Iria entregar-se, mas só quando lhe apetecesse. Primeiro, precisava experimentar aquela sensação de liberdade durante um bocadinho. Acompanhava com euforia uma música que tocava na rádio. Cantava, sem receios. Aquela música fazia-o sentir vivo, livre, sem amarras. Aquelas horas em que viajou com o volume do rádio no máximo foram para aquele rapaz as melhores da sua vida.

“The first of the gang to die”

“You have never been in love”, concluiu, pesaroso, o mordomo, na sua língua materna. E o rapaz, mantendo o ar impassível com que regressara do passeio, não desmentiu. Seguiu calado, algemado e escoltado pela polícia ao carro do inspector. Seguiu viagem até ao cárcere. E durante essa viagem, bem diferente da que fizera na noite anterior, transportava consigo apenas um único pensamento, uma imagem onírica que contemplara na noite anterior: o reflexo das estrelas na água. Efémero e avassalador, como o amor que outrora sentira pelo mordomo.

Susana Tavares

três músicas

Música 1

Desce um padre do altar, aproxima-se da sua major imagem de redenção, ajoelha-se e pede perdão a Deus.
“Perdoa-me ter sido a pessoa que fui, perdoa-me todo o sofrimento que te causei, perdoa-me não ter seguido a tua doutrina”
Monsenhor Noé atravessa o hall da igreja e dirige-se à mais alta torre do Duomo de Milão. Sobe os 148 degraus da mesma, passando por aberturas sem vidro, a chuva torrencial aliada ao frio cortante servem de princípio de tortura. O castigo máximo aproxima-se. O sentimento de não redenção impera na sua alma. Chegando ao cimo da torre, começa a palmilhar a cobertura de mármore, lívido com a luz dos trovões que não deixam de cair. O barulho ensurdecedor atropela a sua reza contínua: “perdoa-me ter sido a pessoa que fui, perdoa-me todo o sofrimento que te causei, perdoa-me não ter seguido a tua doutrina”.
Noé aproxima-se da gárgula, olha sobre Milão, deixa cair uma lágrima e por fim apela a Deus:
“Perdoa-me ter seguido o demo…”
Música 2
Vamos sair? Vamos curtir? Hoje está-me mesmo a apetecer electro. Lux?! Green?!
Não posso, meu… a Mariana não me deixa sair assim todos os dias!
Não sejas assim, nunca sais com os amigos. Hoje é dia de diversão, apetece-me beber umas imperiais, umas amêndoas, apetece-me explodir de sensações! Já te contei que comprei uma ESP?
Não?!
Tou a falar sério, tem um som brutal! Não tenho parado de rasgar com aquilo. Faz-me lembrar do verão, da diversão… Hoje é o fim do mundo!
Música 3
O sentimento da responsabilidade findada. Fantástico. Acabou-se o curso, acabaram-se as preocupações, relax relax relax! É hora de uma surfada. Baleal ao fim da tarde, o pôr-do-sol como painel e o mar a puxar por mim; como seria fantástico ter prancha.
Vestir o fato, sentir a água fria aquecer o corpo, por mais estranho que pareça; como seria fantástico poder andar.
Ricardo Albuquerque

wordsong

Simplesmente vago, uma confusão indistinta e incessante, um desvio que trespassa estas paredes, este terraço, vocês, que escrevem, escrevem e escrevem. Parecem saber para onde vão. Vago, pensamentos perdidos, inconsistentes, provavelmente esquizofrénicos. Paro, olho novamente, vocês continuam a escrever e eu sinto-me tentada a parar neste tempo, neste silêncio cinzento. Por mim ficava assim, entorpecida, mais depois penso, é melhor subverter este vago, dar-lhe estilo, estabelecer os seus limites.

(Times New Roman, 12, justificado, 488 caracteres)

E larica. A música também me abriu o apetite. Acho que Mozart vai bem com Picanha.
Vanessa Luz

e, após o intervalo para comerciais


Pressão, pressão, pressão. A música arrancou e eu tenho de “arrancar” também
qualquer coisa... tenho de arrancar, nem que seja a ferros. Ok, concentração,
brainstorming mental e individual.....e aqui vou eu! Que porra, eu nem gosto
de ópera: fiquei assim desde que o meu avô me obrigou, com a tenra idade 3
anos, a decorar a várias sinfonias de Beethoven. São sempre números, não é?
Espera, espera: Strokes! Não acham o Julian Casablancas o gajo mais giro do
mundo? A música diz que só se vive uma vez e eu acho que uma vez é mais que
suficiente (é impressão minha ou acabei de fazer um aforismo?).
Epá, o bacano da boina tem um CD de Morrissey na mão... esta é a altura em
que eu digo que este é o meu cantor preferido de todos os tempos e que até
tenho algumas tatuagens alusivas à personagem espalhadas pelo corpo.
Aproveito também para dizer que há coisa de 4 anos cortei a sola do pé ao som
desta música. Estava numa discoteca pseudo-gótica, muitissímo mal
frequentada, quando, de excitação, ao ouvir os acordes inicais da dita cuja,
esmago um copo de imperial com as minhas cândidas sabrinas que ficaram, de
imediato, com uma notável tonalidade avermelhada. Foi uma bela noite
passada nos corredores do hospital de São José.

Porra, a música acabou e eu não escrevi nada de jeito... (mais um texto que
não vai para o “bolinhos”
)

Catarina Carrola