segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

# 19

Boris entranhou-se no cadeirão em pele, patriarca, girou-o para a janela. Chovia, deixou-se ficar estendido, ainda ofegante. O suor escorria-lhe pelos dedos que afagavam a barba do rosto ocupado. Os subúrbios de Paris eram extraordinariamente belos vistos daquele ângulo, pensou. Geometricamente perfeitos, os jardins. Aparentemente intrigantes, mas de uma coerência absoluta. Uma imagem que se desenhava na sua cabeça, agora lúcida, incrivelmente lúcida. Tão escabrosa como a última porrada de chuva.
Epifania.

A proposta de Oddville, com o desenho abstracto da trama. A sua negação, resoluto. A suplica de Anna, interlúdio libidinoso. A jovem bailarina queria espectáculo. Obscena, a primeira insinuação de seu amor farsante. Tentava-o para tragédia e para uma grande composição. O sacrifício lógico, maior, acabou por fazer ceder o músico. Boris aceitou a proposta de Oddville, embarcou naquele avião que o atirava para uma melodia perfeita, vida e morte, partitura completa.

- E o envelope?
- Continua sem falar.
- Reconheceu-te?
- Não, o imbecil insiste que está morto, forjou um plano perfeito, a dormência que lhe convinha, não sente culpa.
- Mas medíocre, disse Oddville, enquanto os seus dedos torneavam o copo de whisky, e hábeis palmearam o que interessava.

Aproximou-se dela, esforçou o indicador competente e acariciou-lhe a cintura de porcelana pela última vez.

2 comentários:

Andreia Azevedo Moreira disse...

Aí vamos nós! Gostei. MUITO. Vai ser difícil terminar no 20. Temos de dar ao dedo!

Van disse...

Obrigada Andreia mas, de facto, não adiantei muito, eu sei.

Não podemos falhar o número redondo, tão prezado pelo LFB. O Cap. 20 pode ser escrito por várias pessoas. No stress.

Beijinhos