domingo, 30 de novembro de 2008

Odisseia a Belém for Dummies… em 15 passos

Há coisas fora do prazo que ainda se comem muito bem - ou, belo trabalho do João Santos:
Inicio da viagem com música da Odisseia no Espaço (http://www.youtube.com/watch?v=3yM9tW-jjEA)

Com o som em background entra o voz off - Bem-vindo à aventura da tua vida! - no final da frase, um dos picos da música e depois a voz off novamente – Estimado, I think this is the beginning of a beautiful friendship!
(Mais música)
Voz-off - Escolheu a Odisseia a Belém for dummies em 15 passos. Vamos lá Cambada, todos à Molhada!
Voz-off - Passo um, sê uma Estrela e para isso nada melhor que a rua dos douradores de onde estás a arrancar e onde há 200 anos se vendiam arreios dourados para os cavalos e se abrilhantavam os metais. Cuidado não com os cavalos mas com os eléctricos e automóveis!
Voz-off – Passo dois, sente-te o rei neste enorme terreiro do paço onde agora estás (pausa) mas muita, muita atenção, não morras, pois há 100 anos foi aqui morto o penúltimo rei de Portugal e seu filho descendente ao trono para que se instaurasse a República.

Voz-off – Passo três, Cais do Sodré, é a única praça de Lisboa onde se pode tomar qualquer meio de transporte. Com excepção do avião, claro. Daqui já não partem caravelas para a Índia, como há cinco séculos, mas partem cacilheiros para a outra banda (texto que a Go-Car dizia e que saquei da net – gostei bastante e não lhe mexia um ponto)

Voz-off – Passo quatro, encosta à direita e toca a parar! Chegámos à praça da ribeira, sabias que foi construída no tempo de D. Afonso III e era um dos dois mercados centrais de hortaliças juntamente com a Praça da Figueira? Olha bem e encontra uma lojinha que ai está. Para quem tem frio, nada melhor que um cacau quente.

Voz-off – (dando à chave) Toca a arrancar! Já estamos no quinto passo, à tua direita encontra-se a 24 de Julho - zona histórica de discotecas onde a noite é uma criança. Passa por cá mais tarde, mas no meu irmão mais velho de quatro rodas, o táxi, que conduzir ébrio não é comigo!
Voz-off – vira à direita, e tens de frente o Hospital Egas Moniz o teu sexto passo, muito bem. Este hospital tem o nome do único médico português que recebeu um Nobel por causa da invenção daquela coisa tão prática chamada lobotomia.

Voz-off – vira à esquerda nos sinais, e já à frente vais encontrar o sétimo passo e a casa do nosso presidente da república, o Palácio de Belém. À porta devem estar dois senhores muito quietos, diz-lhes adeus pois são os guardas de serviço que estão aí 24 horas por dia 365 dias por ano.

Voz-off – prepara-te para encostar á direita e quando vires uma placa a dizer pastéis de Belém páraaaaa!!! São o oitavo passo e a oitava maravilha do Mundo! Tens que provar um, pois se o não fizeres é como ires a Pamplona e não fugires à frente dos touros.

Voz-off – a barriguinha está melhor? Vamos lá em frente, mas sempre em frente, pois apesar do monumento à direita ser o histórico Mosteiro dos Jerónimos onde estão o túmulo do célebre Luís de Camões e do descobridor navegante Vasco da Gama e o atropelar de turistas poder parecer divertido é proibido circular na estrada em frente. É o teu nono passo. No Mosteiro dos Jerónimos funciona também o museu de arqueologia onde podes ver múmias a sério e ainda o museu do mar, onde encontras artefactos sem igual. Prepara-te para virar á esquerda no edifício giro que te aparece depois do jardim. Ainda antes te digo que podes ir ao céu aqui, pois à tua direita tens o planetário!

Voz-off – à tua direita tens agora a obra-prima do Centro Cultural de Belém, o teu décimo passo e onde a colecção do Joe Berardo pode ser visitada e a música e os espectáculos culturais são uma constante. La Palice não diria melhor! Vira à esquerda e novamente à esquerda e agora à direita. Para te orientares melhor, direito aos pastéis de nata novamente! Se tiveres tempo, pára para mais uma dose. Se não, segue em frente e vira à tua terceira à direita para os semáforos. Aqui vira à esquerda.

Voz-off – nada de acelerar, pois já de frente está a Ponte 25 de Abril que te leva para as belas praias da costa da caparica, e é o teu 11º passo. Diz o mito urbano que nas suas fundações ficaram uns poucos portugueses que suportam hoje a passagem de tantos outros.

Voz-off – à tua direita está o 12º passo, não estás a ver, olha bem mas cuidado com a estrada, é isso mesmo a linha do comboio que te leva até à 'terra dos ricos', nem mais, Cascais!
Voz-off – estamos quase no fim, mas nada melhor que mais um lugar para ires com o meu irmão de quatro rodas. À tua direita está o 13º passo, as Docas - onde a malta gira pára à noite para curtir a night! À semelhança da 24 de Julho, a diversão aqui é também garantida!

Voz-off – estás a conhecer olhá à Praça da Ribeira, olhá o cais do sodré, encosta-te à fila da esquerda que tens depois que entrar á esquerda no terreiro do paço para me levares a casa. Cheira-te a alguma coisa, cheira bem, cheira a Lisboa! É verdade... à tua direita está o Cais das Colunas, miradouro que te deixa ver o Tejo, Almada e Cacilhas e é o teu 14º passo.

Voz-off – toca a andar e prepara-te para uma entrada à Indiana Jones, pois o teu 15º passo é no fim da rua da prata, esta bela rua cheia de lojas de ouro e prata, tens que virar logo à direita nos semáforos, galgar o passeio e entrar na primeira rua à direita, a tua e a minha rua, a rua das estrelas, a rua dos douradores!

(começa a tocar um grande, grande amor de José cid - http://www.youtube.com/watch?v=Qed6htfatKQ) e na chegada o voz-off diz: muito obrigado! Adiu, Adieu, Auf wieder sehen, goodbye!

Para os momentos de pausa entre os passos:
(zonas movimentadas) voz-off – Olá Jeitosa, dás-me o teu número de telefone? / sou muita gira não sou? / (a cantar) quando quero ver aquele amor meu, pego na Go Car e lá vou eu! (loop 2X)
(em qualquer lado de pouco movimento) voz-off – aiiiiiii, tenho um pneu no chão!
(na 24 de Julho no retorno) voz-off – o que é que é amarelo por fora e leva pessoas dentro em Lisboa? (pausa) os eléctricos tradicionais de Lisboa!
(na 24 de Julho) – olhó buraco!!!!! Olha à tampa de esgoto!!!! Ui, estava a ver que falhavas.

Manter a classe num carro anão / e / Wacky


And the winners are: Luísa Oliveira e Andreia Moreira (já publicadados) e ainda Joana Mil-Homens e Vanessa Luz - estas num registo mais próximo da crónica.



Se vem fazer um passeio de Go Car, esqueça a capa da próxima Hola!. Reze para que o Famashow não ande nas redondezas. Ligue à cabeleireira a marcar uma máscara intensa. Assim que chega enfiam-lhe um capacete. E bem que pode dizer que a mise é de hoje. A figura de motoqueiro da aldeia é garantida.
Escolha um condutor de confiança. Que fique bem nas fotos, mas não demasiado bem (não vai querer ser o mono ao lado do figurão). A máquina fotográfica é importante. Esqueça a máquina de filmar. A meio do percurso vai perder a postura blasé e vai gritar tanto como os outros. E ninguém quer ter provas do dia em que passeou por Lisboa a guinchar como um macaco com o cio só porque foi ultrapassado por um carro “normal”.
Considere os outros condutores, os que têm nas mãos um carro que não um Go Car, como adolescentes com as hormonas em ebulição e você a gaja boa dos anúncios do Lux. Lembre-se das regras do Liceu: só apalpam o rabo ao último da fila. Não lhes dê confiança, esteja atento. Se a sua atenção não for suficiente e alguém lhe bater por trás, relaxe. Saia do carro com um sorriso calmo. Histeria não resolve nada e cria rugas. Deixe o “motorista” resolver as coisas e faça de conta que é um mero turista. Tire fotos, troque bitaites com os transeuntes. Se a polícia aparecer e perguntar pelos coletes, chame à superfície da pele todo e qualquer grama de progesterona, sorria, e explique que não sabe abrir o pequeno porta-bagagens. Já que está de marfim arreganhado, e caso valha a pena, sorria também para o condutor, vai tranquilizá-lo, uma vez que a esta altura ainda não percebeu bem se atropelou ou não uma criança de triciclo e já promete a Deus nunca mais tocar em substâncias ilícitas.
Depois de se juntar ao grupo, não se contenha: você foi o único a ter um acidente. O Universo ofereceu-lhe as luzes da ribalta, brilhe. Depois da adrenalina do acidente, vai sentir uma sensação dúbia: por lado apetecia-lhe ter sete mil olhos para controlar todo e qualquer veículo que circule em Lisboa a esta hora, por outro as regras da probabilidade explicam que já pouco lhe pode acontecer. Relaxe e desfrute, como uma lady.
Em caso de dúvida acene. Se vir que gritam, tiram fotos, ultrapassam (grande coisa, ultrapassar um veículo que, em esforço, chega aos 60 km/hora), acene. Não diga adeus, por favor, que isso é coisa de ex-concorrente do Big Brother em noite de autógrafos numa discoteca do interior centro. Acene com classe. Inspire-se na Rainha – Mãe, veja fotomontagens da Lady Di. Devagarinho, para as banhas do antebraço não cegarem o condutor.
Vai receber vénias e aplausos. Vai ser o alvo dos flashes. Você não se vai esquecer deste passeio. Lisboa também não se vai esquecer de si.

Joana Mil-homens




WACKY



Aquela manhã de sábado começou cedo, à porta do Hotel Amazónia, ponto de encontro com a Andreia e de partida para o nosso passeio matinal. De mãos escondidas nos bolsos descemos a Avenida da Liberdade a amiudar conversa até ao quartel-general da GoCar, na Baixa.
Já o sol estava solarengo, embora não parecesse, quando assinámos o contrato com a GoCar. Um momento próximo do matrimonial, firmado romanticamente e completado com a aposição do respectivo capacete. Seguiu-se o ambiente galhofeiro com a partida dos primeiros carros, algo parecido com as míticas ‘corridas mais loucas do mundo’.
Partimos comigo ao volante e Andreia à pendura, uma experiência que à primeira inalação de escape se tornou nostálgica, pois lembrei-me da minha velha acelera. Perdida nessa memória adolescente adverti Andreia para que tivesse cuidado com as gargalhadas em andamento, não fosse engolir alguns mosquitos. Mas ela não fez caso.
A primeira paragem foi no Mercado da Ribeira, segundo sugestão do GoCar das companheiras que seguiam à frente, Luísa e Antónia, já que o nosso estava teimoso e só falou mais tarde. Após duas voltas ao quarteirão e ao IADE, lá estacionámos. Foi aí que descobri a primeira simpatia do carro, diria, self-transportation. Pegando-lhe, o GoCar permite ser ajeitado milimetricamente ao estacionamento, uma facilidade futurista.
Mas estávamos ali com o propósito da primeira troca de impressões enquanto esperávamos pelo resto da malta. Quem chegou primeiro deliciou-se com um café no Mercado, coisa que eu cobicei. Quando ia tratar do assunto reparo que, mesmo ao nosso lado e contemplando o rio, seguia placidamente o resto da malta. Aquela que estávamos à espera. Voltei a recordar-me das ‘waky races’, daquele cãozinho a rir.
Adiante.
Lá nos fizemos de novo à estrada. Desse caminho destaco três momentos altos: o primeiro foi termos ficado parados numa fila; o segundo tem a ver com umas bocas do GPS por eu ter pisado as tampas de esgoto e o terceiro momento e, talvez o mais extenso, um par de olhos infantis colados ao vidro do carro que nos seguiu durante grande parte da 24 de Julho.
A paragem seguinte foi em frente aos ‘Pasteis de Belém’. O Pedro Alves e o Paulo estacionaram mesmo ao nosso lado, aproveitaram um espacinho junto a uma espécie de mini-betoneira. Depois atestámos de ‘pastéis de nata’ e fizemos a troca de casais. A Andreia assumiu estoicamente o comando pois foi caminho aberto para a corrida dos carros.
E fez-se o regresso. Pelo caminho inverso, e com o sol a dar. Há nossa frente Camolas e Joana Mil-homens, ela acenava às pessoas com a mão em conchinha. Eu tentava uma pose turista e punha o braço de fora, e a Andreia ao volante, contente que nem uma perdida mas a achar-me estranha.



NOTA: Dei voltas e voltas com este texto dos GoCar, intimidada com o desafio criativo. Tentei uns rabiscos e arrisquei umas coisas (bestialmente giras). Também uns delírios poéticos. Até trouxe o meu “primo” Carlos para a narrativa.
Casei-o com Rosa Maria, fi-lo vir à cidade essa manhã de Sábado, mandei Rosa Maria ao Grandela e fiz a vontade ao meu primo, uma hora de soltura, livre do carrego dos sacos a reboque de Rosa Maria. Achava eu, por gostar tanto de Carlos, que o pobre merecia um sábado melhor. Enfiei-lhe o capacete, fi-lo assinar o contrato e empurrei-o para dentro de um GoCar. Ora Carlos não conhece Lisboa como devia. Logo Carlos, o ‘Special One’ dos primos, por isso merecedor da viagem com o grupo criativo, já que sobrava um lugar, o meu, infelizmente ausente e com uma boa desculpa.
Bom, por mais tentador e benevolente que fosse a minha ideia, não era justo para Carlos que não gosta de motas nem de mulheres. Mesmo assim ainda havia espaço na história para um profético desgosto de amor, justamente afogado em ginginhas se Carlos seguisse as reconfortantes orientações do GoCar e, nesse caso, a ‘Rota da Madragoa’.

Vanessa Luz
PS (lfb): era de esperar uma quarta senhora na imagem a enfeitar este post. Não sei que se passou. Avisem-me por favor quando abrir o Workshop de Blogolândia para Néscios.

stand-down comedy ou o GPS hilário

grande trabalho do Pedro Alves, que só não ganhou o desafio Go Car porque violou o limite de caracteres com requintes:
Douradores Fernando pessoa
- Agora vamos voltar para a sede da GoCar, na Rua dos Douradores. Sabia que Fernando Pessoa trabalhou nessa rua? Os carros da GoCar são também fonte de conhecimento pois já se sabe que, também para o poeta português, as máquinas são perfeitas.
Marcha-atrás
- Enganou-se na rota. Vá por aí, vá. Já reparou que o GoCar não tem marcha-atrás? Antes que chegue a Polícia e o faça andar às voltas e voltas por Lisboa, é bom que se levante e carregue o carro até à via indicada. Porque com a GoCar, você também faz parte do veículo.
Despedida
- Foi um prazer partilhar este tempo consigo. Espero que um dia volte e que traga muitos amigos consigo, pois GoCar é sinónimo de diversão para toda a gente. (E no fim, quando estamos mesmo na Rua dos Douradores o GPS grita: VOCÊ É UM PERIGO AO VOLANTE).
Buracos
- Ora cá vai mais um. Eu sei que parece engraçado a forma como o carro voa em cada buraco pelo qual você passa. Mas este é o meu sustento e agradeço que não o destrua. Em todo o caso, terei sempre prazer em fazer-lhe ver o meu ponto de uma forma mais drástica. Posso sempre começar a dar-lhe indicações erradas e levá-lo até um sítio em que eu sei que se pratica o GoCar-Jacking. Tenho a certeza que qualquer praticante desta modalidade tratará o carro com muito carinho para depois poder vendê-los às pecinhas ao Ikea.
Residência oficial
- Buzine. Buzine mais. Se o Presidente vier ver o que se passa, dê-lhe um panfleto e faça-o aderir ao GoCar como viatura oficial da Presidência. Aproveite e imagine logo um slogan. Dou-lhe uma ajuda: Cavaco ao volante – mais perto do que é importante.

Trocar de frequência
- Eu tento dar-lhe todas as indicações possíveis para fazer com que chegue ao destino pretendido. Mas se já souber o caminho e estiver farto de me ouvir, pode sempre mudar de frequência para uma rádio nacional. Mas pense bem antes de o fazer. Já imaginou o que seria parar nos semáforos e ser ainda mais notado por estar a ouvir, no volume máximo, “YMCA” ou “I´m a Barbie Girl” dos Aqua?

Pastéis de Belém
- E aqui, pode deliciar-se com os fabulosos pastéis de Belém. E lembre-se, se lhe caírem mal no estômago não há problema. A GoCar pensou nesta situação e também por isso o veículo é descapotável. Se esperar até chegar ao Mercado da Ribeira ninguém vai notar o odor. Ponha-se confortável, e com esse capacete colocado, nem o vão reconhecer.
Quando estiver quase a passar da primeira hora ou da hora a que estava previsto o cliente voltar
- É só para o lembrar que a sua hora está a chegar...

Capacetes / figura ridícula
- Imagine o seguinte cenário: está a conduzir de uma forma descontraída o seu GoCar e é ultrapassado por um veículo Aixam. Aqui vai a sugestão: você está dentro de um carro ofuscantemente amarelo, que se conduz como uma mota, tem um capacete ridículo na cabeça e ainda pagou por isso. Não acha que já basta de decisões bizarras por hoje? Não se ponha a fazer corridas com um carro que nem precisa de carta de condução para ser conduzido.
Buzinão
- Isso. Buzine. Buzine ainda mais. Se ficar sem bateria para a viagem de regresso quero ver a cara de gozo dos que passarem por um sujeito de capacete amarelo a empurrar o GoCar para fora da estrada.
Noddy carro amarelo
- Ora muito bom dia. A minha pergunta é apenas e só esta: o que é que faz um cidadão/a tão respeitável como o/a senhor/a ao volante deste popó pequeno e amarelo? Será que tem dupla personalidade e pensa que é o Noddy?
Deixe conduzir o seu par
- Mas o que é isto? Nunca mais larga o volante? O seu co-piloto deve estar a adorar levar com o cheiro do escape enquanto o/a senhor/a se diverte a fazer pontaria aos buracos.
Referências ao tempo
- Pois é, cá estamos. Está fresq… E nem sequer está fresquinho para podermos começar a conversa de encher chouriços. Quer dizer, não está fresquinho para mim, acredito que a si, com a quantidade de vento que está hoje, as únicas partes do corpo que não tremem são as unhas. Mas não desespere. Lembre-se sempre que pagou para poder ter esta viagem.
ou
- Sol, calor, céu azul, está um tempo que apela mesmo ao divertimento. Este é um daqueles dias em que só nos apetece sair à rua e aproveitar ao máximo a temperatura que se faz sentir. Um daqueles dias de Verão que queremos que sejam recordados pela farra a que nós próprios nos propusemos. Com um tempo assim, este é, sem dúvida, um dia que apela a que seja mais tarde recordado pela diversão que tivemos. É só saber usar a imaginação. Por isso, cá vai a minha pergunta: com um tempo destes e com tantos destinos fantásticos por aí, o que raio está você a fazer, com um capacete enfiado na cabeça, a conduzir um mini carro por Lisboa?
Referências ao período do dia
- Aqui vamos, neste passeio à hora de almoço, espero que não tenha deixado de comer para não enjoar neste veículo. É que com a velocidade a que o GoCar se permite deslocar, só enjoa um duende e mesmo assim só se tiver comido o Pai Natal por inteiro.

introdução para a menina do GPS


menção honrosa do júri para este doce da Antónia Marinho (muitíssimo adequado à encomenda Go Car):


Para abertura de tejadilho panorâmico, em caso de chuva, prima 1;
Para ajustar os assentos de forma a proporcionar-lhe o maior conforto possível, prima 2;
Para fecho automático de portas, prima 3;
Para activar o airbag do passageiro, prima 4;
Para activar caixa de velocidades manual, prima 5;

Se este veículo não estiver equipado com as devidas teclas numéricas, não se preocupe. A viagem vai ser mesmo assim. Não pense que sou frágil e pequenote: sou baixinho para sentir o relevo com a maior exactidão possível e simples para lhe dar todo o protagonismo numa viagem garantidamente memorável!
Em caso de precisar de ajuda, contamos que a sua carta de condução seja o suficiente para se desenrascar. Em todo o caso, GRITE. Terá toda a gente a olhar para si e pode ser que algum lhe preste apoio. Acima de tudo, procure evitar entrar nas ruas em sentido contrário. A emoção é muita e garantida, mas a polícia não é da mesma opinião. No caso de se perder, é simples: o rio fica do lado esquerdo quando vai e fica do lado direito quando vem. Quando o trânsito estiver muito apertado e se sentir quase esmagado pelos meus parentes crescidos, SORRIA. Ninguém resistirá à simpatia de carro amarelo com mais estilo de Portugal. Experimente! Acene sempre que possível. Os lisboetas estão ao corrente que só passageiros de alto gabarito optam por este tipo de transporte e, como tal, associá-lo-ão à realeza. Por isso, serão inevitáveis aqueles irritantes paparazzi de rua que, a qualquer instante, o surpreenderão com as suas máquinas fotográficas. Vida de estrela….Difícil!
Agora, vamos lá passear! Iupiiiii!

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Tema 1: Mozart
Homem sentado na poltrona de toda a vida. Na mão segura um cachimbo, apagado como a vida que subitamente deixou de lhe correr nas veias. Está de roupão, clássico, e chinelos, de cabedal. O ar é turvo, pelos infindáveis cigarros, cigarrilhas, charutos e cachimbos que sorvia de forma sôfrega enquanto escrevia crónicas toscas para o pasquim da cidade. Não tinha nome, apenas cheiro, intenso e pútrido. Não tinha ninguém. Apenas um velho gato, cheio de feridas, lhe lambia os pés, cheios de feridas. Apenas ele ainda não tinha percebido que agora ficava só e que em breve iria partilhar do destino fatal do seu dono. A música, a última que ouviu, foi banda sonora de vida.

Tema 2: The Strokes – you only live once
Marginal, 1996. O vento sopra quente, aconchegando os corpos que já exibem o tom invejável daquele verão. Há um grupo de amigos, de cabelos longos e oxigenados por carradas de “waxe” e champô de camomila, que avançam descomprometidos, de prancha match 7 debaixo do braço, em direcção à praia, em busca de mais um dia em cheio.
Tema 3: Morrissey – the first of the gang to die
Bairro alto, anos 80. Morrisey dá concerto exclusivo para membros da ordem dos decoradores de interiores, no Frágil. O concerto fora organizado por Nilton, membro honorário e fundador da ordem, cujos associados partilhavam de um fantástico gosto para camisas coloridas, jarras com design, música com ritmo e Homens.
João Camolas

obrigada

Nota prévia (pela derradeira vez): Ao contrário do que me é habitual, nos restantes 364 dias, HOJE não me apetecia escrever. O que aqui fica registado é mais um texto intimista (ou em palavras menos poéticas, mais um texto altamente egocêntrico por Andreia Moreira).

Exactamente. Obrigadinha por darem banda sonora aos meus pensamentos. Ao desespero que sinto (Mozart? Foram meiguinhos) porque acabou. Porra. Acabou. Era a alegria da semana (profissionalmente falando), a manhã de sábado. E eu sei do vazio que amanhã vou sentir e sei também da neura que vai trepar por mim (sem qualquer conotação de cariz sexual) invadindo-me e à qual ninguém que me é próximo conseguirá escapar (ah ah ah ah ah – riso maléfico da neura). Um aperto no peito com banda sonora. Obrigada por esta última partida, queridos formadores (estando a escrever num computador, far-vos-ia daqueles bonequinhos em que se usa : e um p).
Eis que na música um quase silêncio. O silêncio. (O ALA ou 'os contemporâneos' ou ambos, já nem sei bem). Sei que hei-de preencher este (quase) silêncio com mais palavras, com mais escrita. Sei que é o “destino” (para quem acredita e eu sou dessas) ao qual não posso nem quero escapar. Estou ansiosa pela próxima manhã de sábado em que acordarei cedo de novo, para rever todas estas manhãs de sábado e perceber tudo o que aprendi e tudo o que me falta aprender e terei agora de perseguir “sozinha” (sem vocês NCS, LFB e colegas) do lado de fora a instigar-me (quase a empurrar-me) a fazer mais e melhor. Espera, nos próximos dois sábados estarei em Cuba. Mas vá, nos seguintes reinicio esta caminhada.
Olha, no preciso momento em que sinto que já desabafei, a música a animar e de novo uma leveza no peito. Acabo assim esta escrita, FELIZ como comecei no dia 20 (09/08). Posso ter escrito apenas lugares-comuns mas é nestes que vivo intensamente tudo o que me acontece e vou escrevendo a minha história (YOU ONLY LIVE ONCE).

OBRIGADA Nuno, Luís e a todos os outros nomes* (IGUALMENTE importantes).
Hoje pintei os olhos para me dissuadir de chorar.
Adenda: não resultou.

escrita sob pressão musical

1.
Drama. Tragédia. Tristeza. Negro. Sinto-me a mergulhar no fundo do mar. Só água à minha volta e nuvens escuras sobre a minha cabeça. Silêncio profundamente pesado. O medo da morte.

2.
Estou cheia de energia, apetece-me dançar. O ritmo está a entrar pelo meu corpo a toda a velocidade. O meu corpo alimenta-se de música e move-se ao ritmo da melodia. Sinto-me intensamente forte. Segura de mim. Do que quero da vida. Viver freneticamente o dia de hoje sem pensar no amanhã. Arriscar, sem medo.

3.
Amor. Haverá algo melhor do que estar apaixonado? Ser insensato. Pôr o bom senso na gaveta e fechá-la à chave. Andar perdido, sem rumo. À espera de um olhar da pessoa que desejamos, à espera de um sinal que confirme que estamos em sintonia, a querer o mesmo. Paixão. A inflamar a alma de vida. Desejo. Medo de não ser correspondido. Medo do desconhecido em que nos transformamos, porque de repente também não conhecemos os nossos limites.

Mónica Cunha

músicas

Na praça discutem o preço dos cravos, varinas de aventais berrantes e vocabulário de fazer corar o mais analfabeto e ordinário dos taxistas com quem são casadas. As flores esquecidas pela discussão comezinha, pequena, falam entre elas, do horto em Fernão Ferro onde nasceram e cresceram, da existência vazia de significado a que estão destinadas. Resta-lhes esperar que uma doméstica de cabelo oleoso interrompa a verborreia acesa das varinas e as leve para uma casa onde terão a difícil tarefa de amenizar o cheiro a fritos e a São Bernardo acabado de chegar de um passeio à chuva. São cravos. A flor predilecta de gente cinzenta e feia que um dia saiu para a rua e quis mudar um país. São uma flor esquecida pelas grandes casas onde as jarras são de cristal e transformam a luz do sol, aquele que lhes sorria em Fernão Ferro, em pantones infinitos.
No metro, dois adolescentes comem-se. Um casal deslavado entreolha-se indiferente. O homem gala o rabo da adolescente e a mulher pensa na sopa que vai fazer. Tem o verniz encarnado das unhas a cair e as madeixas feitas com tinta de supermercado a precisar de reforço. Uma senhora de mise a cheirar a laca entra na carruagem. Tem o rabo gordo das horas na secretária da repartição de finanças onde trabalha e de onde saiu no instante em que o ponteiro dos segundos anunciou as quatro da tarde. Olha reprovadora para os adolescentes e pensa que os seus filhos, dois atados, jamais fariam figuras destas. Manda na família, nos vizinhos, na rua e até no café do bairro onde é a cliente mais temida. Tem os lábios finos e hirtos das ordens e críticas. É gorda e tem curvas, mas está longe de ser mãe, mulher ou musa.

Joana Mil-homens

death by music


Os textos que se seguem (supra) são o resultado do nosso último exercício. Uma brincadeira a partir da conhecida máxima "99% transpiração, 1% inspiração". A turma foi colocada perante a tarefa de escrever o que quisesse, quanto quisesse, durante a audição de 3 temas musicais não anunciados. A saber, um trecho do 'Requiem' de Mozart, "You only live once" - The Strokes, e "The first of the gang to die", Morrissey.

Perpassa um conceito de morte nesta escolha musical. Talvez uma morbidez melancólica justificada por ser o fim. Mas depois fomos almoçar e ressuscitámos ao 3º copo.


PS: who the f*** is Brenda Ueland?

sábado, 29 de novembro de 2008

Manifesto

Nós, os formandos do Curso de Escrita Criativa, leccionado no decorrer dos últimos 10 sábados, amantes fervorosos da escrita e das sessões terapêuticas de humilhação pública, e conscientemente cientes do longo caminho que falta trilhar para sermos verdadeiros criativos de sucesso, vimos através do presente Manifesto, pedir-vos, a vós forças superiores das Produções Fictícias, e à Fátima, que operem este pequeno milagre de abrir já no inicio do próximo ano o Escrita Criativa – nível II.Já agora aproveitamos igualmente o momento solene para reivindicar preços mais facilitadores de criatividade para aqueles que transitem do nível I para o nível II.Comprometemo-nos, caso o nosso pedido tenha sucesso, a garantir os bolinhos em cada sessão.

Os formandos do “ Hoje não há Bolinhos”

1. Susana Tavares
2. Margarida Santos
3. Catarina Carrola

(Para outras adesões deixar o nome na caixa de comentários)

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Os Mais Loucos Corredores de Escrita Criativa



Quando anunciaram o simulacro de sismo em Lisboa, ninguém esperava uma invasão tamanha de carrinhos amarelos, conduzidos aos pares por uns tais de criativos da escrita, que devidamente equipados com uns estranhos capacetes negros ao estilo Calimero goes Black, causaram o pânico dos transeuntes na rota Baixa – Belém, deixando mesmo, em alguns turistas, memórias de difícil esquecimento.
A partida deu-se, na Rua dos Douradores, sede da Go Car Tours, um dos mais conhecidos esconderijos de criatividade da Capital Lisboeta, com concentração prevista junto do Mercado da Ribeira, para alinhamento da mais louca corrida jamais vista pelos alfacinhas, e pelos outros também. Diz-se que o grupo era liderado por uma tal de GPS de voz melosa, que lhes ia ditando caminhos e comportamentos. Os mais estranhos parecem ter ocorrido face ao Hospital Egas Moniz, onde os corredores lançaram palmas e gritos de “urra” ao galardoado cientista português, incitando os populares ao mesmo comportamento desviante. Já anteriormente, na zona da Av. 24 Julho, mais precisamente junto às instalações do Ministério da Educação, há menção da GPS ter falado do costume português, de “atomatar” os edifícios públicos (Patrocínio - Lugar da Ti Jaquina, “onde o legume é sempre fresco, Mercado da Ribeira, piso térreo)
A situação mais grave, parece contudo ter ocorrido junto aos Jerónimos, onde no auge da corrida, o grupo terá sido abordado pelas autoridades policiais, que invejosos da magnitude, brilho e total incapacidade dos carrinhos amarelos em passarem despercebidos, montaram um verdadeiro cerco policial ao grupo, impedindo a boa continuidade da prova. Os “pontos negros” foram posteriormente vistos a entrar, em fila indiana (Patrocínio do Tandori Bastami), nos Pasteis de Belém, onde causaram tamanha sensação, que muitos dos turistas foram vistos a abandonar o local de pastel enterrado nos dentes e flyer publicitário na mão, recorrendo a táxis, eléctricos, e na maioria dos casos, às suas próprias pernas, numa estranha corrida em direcção à sede da Go Car Tours. Segundo relato da Protecção Civil, os corredores, confundidos pela população, com um perigoso grupo de doentes mentais evadidos, não pertenciam ao grupo de figurantes do simulacro.
João Mendes, um dos responsáveis pela GO Car Tours, veio igualmente a público negar responsabilidades remetendo o assunto para as Produções Fictícias, que perante a celeuma confirmaram tratar-se duma necessária ” intervenção à criatividade” dos formandos do Curso de Escrita Criativa.

GPS improvável

da Eva Mota

Bem-vindo ao Go Car, descontraia e aprecie uma das mais fantásticas viagens turísticas por Lisboa. Não se deixe intimidar pelo pouco espaço e pela estrutura duvidável, reservamos para si uma das visitas mais interactivas por Lisboa. Aperte o cinto, mesmo que perceba logo que não lhe vai valer de nada, e coloque a sua vida nas nossas mãos. Não lhe vamos indicar locais de perigo, nem dizer-lhe quando se enganar, muito menos indicar-lhe de seguida o caminho a seguir para retomar a rota correcta. Está por sua conta, go wild e viva Lisboa!
Nunca conduziu uma acelera? Não tem problema, se for abalroado por um camião do lixo não lhe vai valer de nada. Siga o instinto e rode a mão ao sabor do vento. Preparado? Não? É pena, terá que arrancar na mesma que isto é cobrado a 25€ à hora e temos que por o máximo de carrinhos amarelos na rua, para gerar burburinho. Colocou o autocolante referente ao seu curso no capacete? É bom que o faça, perdoam-lhe qualquer loucura se souberem que anda metido com esse pessoal das Produções Fictícias.
Vire na primeira à direita e siga a linha do eléctrico. Vire na terceira à esquerda, atravessando-se em frente ao carro que aparecer à sua frente. Siga em frente e vire à direita. Ignore o polícia na esquina e avance no cruzamento sem dar prioridade à direita. O nosso lema é infringir o máximo de regras possíveis. Siga as indicações para a Praça do Comércio e coloque-se em qualquer uma das três faixas à sua escolha, o ideal é atrapalhar ao máximo o trânsito já complicado de Lisboa. Mostre-lhe quem manda nas manhãs de sábado. Queria que lhe déssemos indicações históricas sobre este local? Mesmo que quiséssemos dar-lhe essa informação, não nos iria ouvir com o ruído à sua volta (mesmo com o som nos 100, a ponto de assustar qualquer transeunte) e com a emoção que está a sentir neste momento.
Siga pela 24 de Julho, vamos falar-lhe sobre o Cais do Sodré, o Jardim de Santos, o Mercado, o IADE, blá blá blá… Faça picanços com as motas que pararem ao seu lado! Engane-se no percurso, fure por ruas estreitas e em contra-mão. Reúna-se meia hora depois com os seus colegas e prossiga o percurso.
Siga em frente em direcção à Alcântara. Aproveite para fazer adeus a quem passa, distribua flyers e sorria. Está a causar mais emoção que o simulacro. Mais à frente as três faixas passarão a apenas uma devido a obras na via. Faça um zig-zag por entre os pinos de protecção e provoque o polícia no cruzamento à sua frente. Vale-lhe a fila de cerca de dez carrinhos amarelos que consegue fazer mais barulho que a sirene da Guarda Costeira e de um comboio de carga a parar o trânsito junto às Docas.
Lisboa é uma cidade incrível. Vê como conseguimos ter um pouco de aventura na cidade? Andar num Gocar em Lisboa pode ser em muito similar a um passeio pelo monte num jipe. A cada buraco sinta o seu osso rabicho a ficar mais doído.
Nunca comeu um pastel de Belém? Pare e aprecie. Ganhe forças para mais algumas infracções. Está a ver aquela estrada em frente ao Mosteiro dos Jerónimos que tem uma placa a indicar que é proibido circular de automóvel e o sinal de sentido proibido em ambas as extremidades da via? Ignore. Mostre aos turistas que os portugueses são malucos e percorra a via para trás e para a frente, dê três, quatro voltas na rotunda em frente ao Planetário. Vai ser de tal forma que o meu sistema ficará tão confuso que falar-lhe-ei do CCB muito depois de passar por ele. Se a polícia o mandar parar, faça um ar inocente e explique à autoridade que estava a procurar a saída. Discretamente.
Volte à origem pelo percurso original. Se tiver a sorte de se enganar no caminho pode ser que lhe dê informações turísticas que não lhe dei à primeira passagem. Boa! Estamos no caminho certo! Para me levar a casa siga em frente até à Praça da Figueira e faça mais uma infracção. Se tiver a sorte de um polícia não o impedir, vire à direita, sim, onde está o sinal de proibido, suba o passeio e vire novamente à direita na Rua dos Douradores. Esperamos que tenha apreciado a viagem. Sempre que quiser sair da rotina, procure os nossos serviços.

guião para carrinho amarelo

do João Camolas

(NOTA: nunca imaginei que um dia iria ao google images procurar Cláudio Ramos...)


Carrinho amarelo
Olaaaá! Sou o Cláudio Ramos e vou ser a sua bichinha de serviço, num guided tour pela esplendidérrima cidade de Lisboa!
(baixinho e em voz máscula)

Caso você seja “o” Cláudio Ramos, estava claramente a brincar e aproveito para lhe dizer que sou fã do seu trabalho. E do Crispim! Beijos à Fatinha!
(Abichanando outra vez)
Não é? Ai filha que me tiras um peso de cima.
Nesse caso toca a deitar as mãos ao je, mas com jeitinho, que o motor já não aguenta tanta emoção! Antes de dar à chave podia era sair para dar um empurrãozito, que isto pega melhor assim... Não quer? Ok, prontos. Deve ser por isso é que tá gorda. Vá, dê lá à chave.
Começa a viagem
A nossa volta hoje é até Belém, terra do JC, um bate chapas meu amigo.
Por mim, não íamos além do Bairro, tomar um copo ao Purex, mas enfim... pagam-me é para isto.
Duas curvas depois...
Reza a história que, aqui mesmo, nesta esquina, no ano da Graça de Nosso Sr. Jesus Cristo, de dois zero zero oito, se deu o primeiro embate por trás da Gocars.
Olha que se a inveja empanasse... A mim, que já ando na Vida vai para 15 dias, é que ninguém me abalroa, assim, à bruta.

A viagem prossegue
Ai amiga, deixa que te diga uma coisa. Esse capacete não te fica nada bem. Pareces o Calímero, com aquele ar tristonho, com a casquinha enfiada pela cabeça, coitada da bicha. Ainda se parecesses a Abelha, essa sim é que é uma mulher de sorte.
Chegam ao Cais do Sodré e começa a cantar
Ai Cais do Sodré, ai Cais do Sodré... Olha aqui é zona fina. Local imortalizado para todo ó sempre, por esse grande sr. do fado, o Dom Rodrigo, como eu lhe chamo.
Ali à frente é o mercado da ribeira. só vale pelas leguminosas porque de resto, enche-se dumas velhadas nas matinés dançantes... do pior. é um cheiro a naftalina que me entope o escape!
Já na 24 de Julho
Esta av. é a Holliwood Boulevard de Lisboa. É só glamour à esquerda e a direita. Foi aqui, na Kapital que Pedro Santana Lopes viu pela primeira vez o buraco da Marques, perdão, do Marquês. Foi ali no McDonald’s, que o Martins Moniz comeu a última bucha antes de ficar com ele entalado no Castelo. É só história e cultura a borbulhar nestas ruas!
Olha, aí junto ao rio está esse ex-líbris de Lisboa - o Queens! Antigamente, ainda eu só tinha duas rodas, ia p’raí curtir com duas motoretas amigas, era a rasgar até de manhã. Só de pensar nisso falta-me a gasolina...
Em Belém
Chegámos ao Mosteiro dos Jerónimos, onde um dia vai ficar para a posterioridade esse grande vulto do jornalismo nacional, o Sr. Carlos Castro. Caso não saibam foi mandado erguer pelo nosso Presidente, o Dr. Cavaco, ainda ele era primeiro.
Tenha atenção aqui para não sermos atropeladas por um norueguês ou inglês descontrolado.E prontos! Acabou. Agora toca a levar-me de volta à toca que tenho compromissos daqui a pouco. Tenho de ir à oficina afagar o bujão e mudar os pistões que à noite tenho festa!

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ainda um Perfil



outro bom exercício, por Luísa Oliveira


Ana tem 42 anos, leva dois filhos pela mão – Guilherme e Miguel (como o pai), de 7 e 9 anos. Está separada do marido desde 2004 e ficou com a guarda das crianças. Antes de se divorciar, tinha uma vida folgada.
É engenheira química e trabalha para o Instituto Nacional da Água. Ainda é funcionária pública, portanto. O ordenado chega-lhe à conta para educar os dois filhos. O marido trocou-a pela secretária (mais nova, claro!) e pouco liga à descendência, monetária e afectivamente falando.
Ana está bem conservada para a sua idade. Mede 1, 70 e pesa 60 quilos. Gosta de se arranjar pela manhã, mantém as unhas impecáveis e o cabelo com as madeixas sempre em dia (feitas em casa desde que o dinheiro escasseia). Usa sempre sapatos de salto alto e roupa de executiva (quando precisa de algo novo, pede emprestado à irmã, mais bem posta na vida do que ela).
Tem alguns fãs no trabalho, casados e maus partidos. Que ela despreza, obviamente.
Ainda não voltou a estar com um homem, desde que se separou do marido, com quem namorava desde o liceu. É mulher de um homem só, portanto.
Mas, no seu íntimo sonha em vingar-se dele, arranjando um namorado mais novo, musculado e com brinco na orelha. Falta-lhe a coragem, pois já nem se lembra como é que se namora. Além do mais… há os dois filhos – dois verdadeiros terroristas – que não lhe dão a mínima hipótese de arejar. Ocupam-lhe todo o tempo livre e não há quem suporte ficar com eles para ela poder fazer vida de solteira. Os pais já são bastante velhinhos e vivem na terra, perto da Guarda. A irmã tem mais do que fazer. O marido é quando o rei faz anos (a secretária não tem paciência para os meninos insolentes). E não tem dinheiro para babysitters.
É por isso que, quando entra na escola todas as manhãs, só consegue disfarçar o ar de quem já foi atropelado por um comboio, à custa de uma maquilhagem bem aplicada (e de muitos anos de prática).
As manhãs são o seu maior tormento. Acorda às sete para poder sair de casa como gosta, sem lhe assentar uma poeira. Acorda os miúdos meia hora depois, que se levantam já a resmungar. Veste-os, arranja-lhes o pequeno-almoço. Não há tempo para mimos ou beijos. Lá em casa, eles movem-se mais ao som de gritos. Até os deixar nas aulas, às nove, na escola pública da zona cosmopolita onde vive, em Lisboa, estica os nervos até ao infinito.
Volta para casa por volta das sete. Os filhos já lá estão com Ermelinda, uma empregada que faz 3 horas por dia, e os vai buscar às cinco e meia. Ela deixa o jantar amanhado para os meninos. Ela só come sopa e um iogurte. Todos os dias.
Às 22h30 já está na cama a ver o CSI. Adormece com a televisão ligada, abraçada à almofada, sonhando com os tempos de casada, quando era feliz e não tinha problemas de dinheiro.
O seu maior escape são as horas de almoço, quando come um queijo fresco aberto numa salada de alface e tomate, ao balcão do restaurante que fica mesmo ao lado do Instituto. É durante esse 45 minutos que pode falar á vontade com as colegas, com quem se dá muito bem, sobre as suas infelicidades com os homens. Há outras histórias parecidas à dela e isso dá-lhe conforto.
Já andou num ginásio, onde ia religiosamente três vezes por semana, mas com o divórcio teve de cortar nas coisas menos importantes, como essa mensalidade.
Anda de olho num giraço que almoça no mesmo sítio que elas, mas ele parece nem a ver.

Conselhos úteis para controlar a febre-amarela que alastra em Lisboa,

ou como evitar alguns confrontos com a autoridade a bordo de um Go Car

- candidato ao título na "Encomenda Go Car", por Luísa Oliveira


1. Não vale a pena tentar acelerar até aos 80 km/h – mesmo em prego a fundo, em plena recta da Avenida 24 de Julho, os go car não ultrapassam uns seguríssimos 55 km/h;

2. Se não se importar de servir de agente publicitário gratuito, divirta-se a distribuir a todos os curiosos os panfletos que estão no tablier. Pode ter a surpresa de os encontrar, assim que regressa à sede da go car, prontos também eles para um passeio;

3. Não resista. Ao passar mesmo em frente aos pastéis de Belém, estacione. Entre na pastelaria, de preferência sem tirar o capacete. Dá sempre aquele ar de quem entrega pizzas e, com sorte, passa à frente dos outros gulosos;

4. Evitar o impulso teenager de fazer corridas naquele espaço vazio em frente ao Mosteiro dos Jerónimos. Além de correr o risco de atropelar algum turista, o mais provável é ter um encontro (quase) imediato com a autoridade: «Não sabe que aqui é trânsito proibido?!»;

5. Apesar da tentação e da adrenalina, não rodopie vezes sem conta na rotunda em frente ao Museu da Marinha. Serve apenas para estontear a menina do GPS e, com isso, ficar sem perceber se é ou não suposto ir até à Torre de Belém. Se insistir nesta actividade, ela ficará muda até estar no caminho de regresso a casa;

6. Não entrar em ruas de sentido proibido ou estacionar em espinha. Os carros amarelos não têm marcha-atrás, logo vai acabar por ter de sair do veículo e usar a força para empurrá-lo até à posição certa;

7. Dar ouvidos à voz feminina do GPS quando ela diz para evitar as tampas de esgoto. Acrescente-se também o conselho de fugir dos buracos, a não ser que as saudades da feira popular apertem;

8. Se optar por seguir as indicações do GPS para entregar o carro, vai voltar a ter problemas com a polícia. No final da Rua da Prata, há que ignorar um sinal proibido para conseguir entrar na estreita Rua dos Douradores. A autoridade que por ali anda desloca-se de Segway e é pouco dada a tolerâncias. Por isso, aproveite quando os agentes estiverem de costas ou a passear no seu igualmente divertido veículo para acelerar e desaparecer no horizonte. Caso contrário perderá mais uma hora até conseguir cumprir a lei ou será «autuada!»;

9. Ter atenção aos cruzamentos. Ninguém está à espera de o ver nestes preparos e, com o espanto, podem mesmo chocar no seu carro;

10. Gritar e buzinar como se não houvesse amanhã, pôr a música bem alto, dançar e usar todos os artifícios para dar nas vistas – como se o facto de ir de capacete na cabeça, sentado de pernas esticadas, num carro amarelo que funciona como uma acelera, não bastasse.

A história de 'Pressas'



encomenda Go Car - outro forte candidato, por Andreia Moreira


Reza a história recente que um dia (há quem diga 22/11) um grupo de pessoas, com uma paixão desmedida pela escrita, foi até à Rua dos Douradores para uma aventura nos Gocar. Saíram 11“amarelinhos”. Lamentavelmente, um desses carrinhos (acelera disfarçada) finou-se na atribulada viagem e subiu ao paraíso automóvel onde está estacionado atrás do Herbie, seu primo em 7ºgrau. Os seus companheiros chamavam-no “Pressas” carinhosamente, embora de forma irónica, por não andar a mais de 50Km/h. Queria que as pessoas vissem tudo com calma “Não vos quero com as pressas costumeiras” gritava aos passageiros instigando-os a viver intensamente a experiência e a apreciarem o simples facto de sentirem o vento no rosto. Consta que morreu feliz na rota “BELÉM”. O que lhe ficou registado, por último no GPS, a isso leva a crer. Ora ouçam:
Os dias erguem-se soalheiros, cada vez que saio. É como se o sol soubesse que o tendo como aliado, vos posso fazer mais felizes. Ou isso, ou simpatiza comigo porque me visto da mesma cor. Seja como for, raras são as vezes em que não me acompanha cúmplice, erguendo-se sobre a cidade e incidindo nos ângulos que a tornam ainda mais bonita aos vossos olhos. Paramos? Vocês é que sabem. Vão explorar a pé os sítios onde não posso circular que eu espero aqui. Não deixem valores aí atrás! Tenho fechadura fraquita. Vocês são divertidos. Às vezes não me ouvem e tenho de vos pedir que me dêem uma suave pancadita na coluna direita que é meia preguiçosa. EU DISSE SUAVE! Temos outras rotas por isso tratem de voltar mais vezes. Vejo-vos genuína felicidade, sinto laços de amizade a estreitarem-se, percebo estar a ser um momento IMPORTANTE. Sei que a esta hora já esqueceram as complicações das vossas vidas e se permitem uma alegria de criança. Acenam às pessoas, perdendo a vergonha e poucas são capazes de ignorar o cumprimento. Uma senhora numa paragem de autocarro chegou a lançar-vos beijinhos em gestos efusivos. Viram? Talvez tenham roubado sorrisos à sua aparente solidão. Confesso que me estou a passar contigo que me guias, a tocar o “Jingle Bells” – dizes tu – a melodia não se parece remotamente com a música natalícia. É apenas a minha buzina monotónica a tocar incessantemente. Também estou a ficar apanhado dos amortecedores. Eu bem vos alerto - com o volume a 100 - “Olhem as tampas! Cuidado com a linha do eléctrico que me despisto!” e vocês, maçaricos, vão a todas. A 24 de Julho está a ser um pesadelo, sei que já perdi peças neste trajecto. Estão-me a castigar pelo insignificante pormenor de me faltar a marcha-atrás? Jerónimos. Hey o que é que estás a fazer? Não tens jeitinho nenhum para as curvas, valha-me Nosso Amortecedor. Peões connosco? Andam em sentido contrário? Senhor polícia ponha ordem niiisto! Aiaiaaaa! Ai Santo Carburador que já fui…Parceiros? - Voz fraquinha - Digam aos nossos proprietários que não castiguem o grupo! Não há melhor recompensa (depois do gasóleo e da limpeza a seco) do que estas gargalhadas sinceras. Parto feliiiz!

Epílogo: É baseando-me na última frase registada no GPS, que de forma brilhante constato que o “Pressas” morreu feliz.

CORPO DE TEXTO: 2996 caracteres com espaços (O epílogo não conta)

terça-feira, 25 de novembro de 2008

domingo, 23 de novembro de 2008

O testemunho possível


As emoções estavam ao rubro, o motor projectado para a sua força máxima, o vento nos belos capacetes negros ... mas mesmo no auge FOI ESTE o único testemunho possivel.

Os mais loucos corredores de Escrita Criativa



Por razões que a própria Razão desconhece, e que os meus escassos atributos informáticos não conseguem ultrapassar, o slide show umas vezes funciona, outras nem por isso, assim, e caso a bonita careta do Camolas não seja o vosso único objectivo de visualização para a passeata nos popós amarelos, façam o obséquio de dar uma ajudinha ao pc clicando nas setinhas para a direita.
Muito agradecida.

sábado, 22 de novembro de 2008

Nilton e os marginais da marginal



Hoje tivemos um dia tão entretido quanto atípico. A prometida "visita de estudo" acabou por ficar a cargo da bela sugestão do João Mendes - e lá passámos uma gloriosa manhã de sábado em Lisboa, ao volante dos Go Car. Acidentes, problemas com as autoridades, corridas à vertiginosa velocidade de 60 kms/h, malta que se perdeu, de tudo um pouco aconteceu nesta 'frenética babilónia' (para citar a menina do GPS), isto enquanto a capital se debatia com um simulacro de terramoto cujo frenesi ficou bem patente nos bombeiros de mãos nos bolsos que passeavam tranquilos ao largo do Terreiro do Paço, muito cool, muito blasé, de olhar lá longe na Margem Sul.

Prometem os textos resultantes desta aventura.

Entretanto, devido aos inesperados 'problemas' matinais, só acabámos por reunir com o nosso special guest star já passava da uma. Ainda assim, o Nilton - recém-chegado de 7 espectáculos no Brasil - fez jus ao seu estatuto de grande humorista e seduziu-nos durante cerca de duas horas muitíssimo bem passadas. Falou-se de stand-up comedy, claro, mas também de Freud, Kant, Bergson e - obviamente - Fernando Rocha.

Muito obrigado ao Nilton pela simpatia, disponibilidade e profissionalismo.

ps: explicações sobre o último TPC já disponíveis na caixa de correio dos 'bolinhos'.

ps2: venham preparados para muito 'dar ao dedo' na última sessão - antes desse tão antecipado almoço onde Nuno Costa Santos promete uma bebedeira de caixão à cova, desabafos sobre a problemática da agricultura & pescas nos Açores e break-dance.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Para que serve um worshop de escrita? (umas notas)

Chegados - alunos e professores - a esta altura é natural que a pergunta surja nas nossas mentes (sem qualquer tipo de ironia Ferreiraleitiana). Com a minha experiência de formador já cheguei a algumas singelas conclusões. E nada me tira da cabeça a ideia de que vale de facto a pena fazer um curso de escrita - e, já agora, dar um curso de escrita. Porquê? Porque se o curso cumprir (minimamente) o seu objectivo a coisa já está ganha. E qual é esse objectivo? Distender a escrita. É esse, para mim, o principal objectivo de um curso de escrita criativa. Ginasticar a pena, dar ao dedo, arriscar parágrafos, ideias, falhanços, delírios, etc, etc. Penso que o principal problema de quem sai de um curso destes com frustração está na ideia-feita que concebeu nos territórios da imaginação e do desejo. Ninguém sai escritor de um curso de escrita - verdade simples, mas, apesar de tudo, demasiadas vezes esquecida. Sai-se com maior músculo na escrita, com maior fôlego, o que é algo completamente diferente. Aprendem-se alguns "truques" (volto a utilizar a palavra, sem receio da contingência do termo), alguns tópicos, algumas pistas. Aprende-se também a evitar atalhos escusados - no fundo, truques ao contrário. Este, confesso, foi dos cursos que mais "prazer docente" (não, não é um título de uma película porno com ambiente escolar) me deu. O facto de ser alargado no tempo permite-nos perceber-vos melhor, topar as vossas "vozes" (como sabem, o objectivo maior de qualquer escritor é encontrar uma voz própria), as vossas hesitações e conquistas. Também ajuda a perceber aquilo em que cada um é melhor - o que é bom, porque ajuda a situar os escribas. A experiência humana também se torna mais rica - porque mais quotidiana, menos artificial. Já nos vimos de formas diferentes - alegres, cansados, engripados, eufóricos, com sentido de humor e até com alguma melancolia. Isso é, para citar o Zé, "porreiro, pá". Queria dizer que a minha caixa de mail estará sempre aberta para os vossos textos, para as vossas inquietudes verbais. Procurarei sempre fazer algum comentário, uma nota que seja. Contribuir para que o vosso trabalho tenha feedback (sei o quanto isso é importante). E, prontos, a noite vai longa, a escrita também. Vemo-nos daqui a nada nesta espécie de versão pós-moderna e intelectual do Rally Paper. Até já.

as coisas que eles inventam

Amanhã há um simulacro de terramoto em Lisboa (não bastou aquela coisa da Selecção no Brasil?!) que gerou o pânico entre os membros do workshop. Ruas encerradas, bófia, protecção civil - e agora? Como é que damos a nossa voltinha de carro? A situação está aparentemente controlada mas a Susana Tavares - em plena cadeia de e-mails - imaginou uma reunião de emergência entre o nosso João Mendes (da Go Car Tours) e as autoridades...

João Mendes
- Não se esqueçam... São uns carrinhos amarelos... Têm dentro um pessoal com a mania que é criativo... E eles nem sonham que vão participar no simulacro!

Protecção Civil(Estranha)
- Mas o senhor não os avisou?

J.M.
- Não, é surpresa. Quero testar-lhes a criatividade em situações de pânico. (Riso maléfico) Ah Ah ah!

Protecção Civil(Conforta-o)
- Oh homem, porquê esse rancor todo?

J.M.(Choraminga)
- Eles gozaram com a minha ressaca numa das sessões...

Protecção Civil(Cúmplice)
- Oh, isso não se faz! (mauzinho) Sábado atiramos-lhe com uns pedregulhos em cima, na derrocada do Castelo!

J.M.
- Isso e muito mais! Eles merecem!

Protecção Civil(Sonda)
- Num aluimento de terras... eles caem ao Tejo?

J.M.(Com um brilho no olhar)
- Mais! Mais! Mais!

Protecção Civil(Em dúvida)
- Obrigamo-los a passar pelo Tunel do Marquês durante o simulacro?!

J.M.(Em êxtase)
- Perfeito!

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

aforismos em entrevista


Rui Zink, ao DN:


"Faz-me espécie aqueles escritores que tratam os leitores como focas, que só servem para bater palmas à genialidade".

Francisca Dias Cipriano



Um Perfil pode ser esquemático e completo, como este do Ricardo Albuquerque (o autor faz questão que as palavras seguintes sejam lidas ao som de "Saving Josh", Trevor Morris.

Storyline:
Num mundo onde o Paraíso e o Inferno são uma realidade assumida apenas vivenciada por alguns eleitos, o conflito entre ambos acontece e um arcanjo vem morrer à Terra junto da mulher que sempre amou deixando-lhe um filho - um semi-anjo com poderes para criar a estabilidade entre a Terra e o Outro Mundo.


Personagem Principal


Francisca Dias Cipriano – Mulher que dará à luz Miguel Dias Cipriano, filho do arcanjo Gabriel.

Factores Físicos
Idade: 21;
Peso: 65 kg;
Altura: 1,72m;
Cor do Cabelo: Louro;
Cor dos Olhos: Azuis;
Nacionalidade: Portuguesa;
Factores Sociais
Classe social: Classe Média mas anteriormente classe alta – Descendente directa de Cipriano Gomes Ferreira (avô), patrono de uma organização secreta (Sirurgia) que regulava as relações entre Paraíso e Terra.
Religião: Em criança católica praticante, actualmente ateia;
Família: Órfã de pais muito jovem, foi criada com o avô;
Nível cultural: Frequenta o curso superior de Radiologia em Lisboa – Eloquente no discurso e cativante;
Trabalho que realiza: Nenhum. É estudante e vive dos rendimentos deixados pela família;
Amizades: Melhor amiga – Mónica Sebastião Costa (conhecem-se desde o jardim de infância – filha bastarda de um ex-membro da Sirurgia que Cipriano Gomes Ferreira encaminhou a um casal que não podia ter filhos. Tem um papel fundamental no crescimento da personagem principal);
Morada: Vive num apartamento T3 em Alvalade, no primeiro andar.

Factores Psicológicos
Ambições: Deseja ser uma pessoa normal, sem qualquer tipo de influência a nível social. Anseia trabalhar, ganhar o seu dinheiro e viver feliz o resto da vida. Quando Gabriel desce à Terra o pânico instala-se na sua vida mas promete tomar conta do seu filho e ajudá-lo a todo o momento, criando-o à imagem da sua maior referência na vida, o seu avô;
Anseios: Vive na expectativa do que poderá vir a acontecer quando Miguel crescer e começar a fazer perguntas sobre o seu pai/passado/presente e quais as razões das suas diferenças para as outras crianças;
Frustrações: Nunca superou verdadeiramente o facto de ter sido esquecida durante 5 anos por Gabriel e todos as pessoas que frequentavam o seu lar quando o seu avô era vivo. No fundo, sendo quem era o seu avô, esta era uma atitude de protecção;
Sexualidade: Heterossexual, virgem;
Perturbações: Nunca superou a morte dos pais aos 6 anos, muito menos a morte do avô envolta num misterioso desaparecimento do corpo quando tinha apenas 17 anos;
Sensibilidade: Mulher que adora a vida, adora o mundo e vive apaixonada pelo seu futuro. O seu passado foi sendo esquecido por vontade própria. Entrou em negação total de acontecimentos antigos sem nunca descurar o desejo de amizade e diversão.
Percepções: Tem um poder adquirido quando engravida de Gabriel, consegue identificar entidades vindos do Outro Mundo na altura do pôr-do-sol. As auras sobrenaturais emitem uma radiação invisível ao comum dos mortais – mecanismo de protecção para si e Miguel;
Personalidade: Antes de ser mãe - Divertida, social, extrovertida porém muito reservada sentimentalmente. Não cai facilmente na teia da vaidade e é muito forte psicologicamente. Muito dificilmente cai em tentações e se deixa levar por impulsos. Após ser mãe – Mais preocupada com o bem-estar do filho, impulsiva no que se trata de actos defensivos para a segurança do seu meio familiar, mas sempre com as característica de uma personalidade festiva e afável. Anda sempre de transportes públicos pois sente-se bem no meio das pessoas.

CATARINA


belíssimo perfil pela Margarida Santos

Catarina tem 14 anos. É morena, tem olhos negros e tez demasiado clara. É baixa para a sua idade e um pouco roliça.
Já é uma mulher, ou assim lhe fazem crer desde que chegou o sangue que mensalmente lhe esventra as entranhas, e filha de pais separados. Vive com a mãe. Uma mulher que não consegue verdadeiramente amar, ciente da fraqueza do seu espírito e da forma fraca como conduziu as suas vidas, desde que o pai abandonou o lar. Com o pai, pouco convive. A relação constrói-se apenas de umas quantas refeições no restaurante próximo do liceu e telefonemas em igual número. De qualquer modo tem poucas boas recordações da presença dele lá em casa. Durante a semana praticamente não o via, em virtude das imensas reuniões, que mais tarde se vieram a descobrir ter nome de mulher. A excepção faz-se do dia em que o viu bater na mãe, a arrastá-la pelos cabelos e colocá-la à porta de casa, na rua, enquanto esta, em perfeito estado de subjugação física e mental apenas lhe gritava “Olha a menina, olha a menina”. Tinha quatro anos, mas ainda guarda a cicatriz do episódio na memória e no joelho esquerdo, que esfrega, com relativo e discreto vigor, sempre que está perto do pai.
Ainda hoje, não compreende como é que a mãe a fez correr ruas e ruelas de Lisboa, em pleno mês de Novembro, sob uma capa de chuva torrencial, à procura daquele cobarde, que lhe batia e as tinha abandonado à mercê dum pequeno papel branco deixado na cozinha sob a fruteira, e no qual rezava apenas “A porta da rua é serventia da casa - palavras tuas”. É também por isso que detesta lugares–comuns e frases feitas.
Já salvou a mãe do suicídio, em pelo menos duas ocasiões, e desconfia de outras tantas tentativas impedidas meramente pela sorte, mas a mãe não lhas confirma.
Passa demasiadas noites acordada, incapaz de compreender o mal que terá feito para este imenso estado de abandono em que se encontra. Pensa em suicidar-se, e tem pesquisado a net à procura da melhor solução.
O pai não lhe deixa faltar o dinheiro. Compensa as omissões de amor por esta via, e Catarina não o contraria. Estas manifestações de imenso amor parental permitem-lhe os prazeres esporádicos do haxixe e do álcool com a malta do bairro, com quem não deslumbra afinidades maiores do que as do vício e do rebordo dos copos de shot.
De quando em vez, alinha com a ala mais artistica, e pinta grafittis nas paredes nuas da capela que existe no final da rua. “É a vingança pela vida que me deste!” – grita tão veloz como a tinta espirra da lata de cor vermelha. Adora ler, e a par do livro que diariamente transporta consigo para onde quer que vá, anda o seu caderno Moleskine, capa de cor parda, uma prenda inesperada da única avô que lhe resta, e na qual revê a mulher que um dia, se as forças lhe permitirem, gostava de se tornar, e onde vai dando corpo ao vício de escrevinhar os pensamentos que lhe chegam com uma fluidez tal, que por vezes, mesmo a rapidez da mão já treinada para este exercício não consegue em absoluto transcrever. Quando está sozinha, corta-se. Gosta da sensação de poder e de controlo. A mãe deprimida desconfia de algo, e ultimamente pergunta-lhe com frequência se não gostaria de ir a um psicólogo. Ignora-a, mas desconfia que a recente aproximação do seu pai, tem por base esta preocupação crescente.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Paz podre

De olhos fechados
Finges que não vês
A pobreza no meio da rua
Em cada esquina a solidão.

De olhos fechados
Finges que não vês
O olhar desabitado de amor
No rosto sulcado pelo sofrimento.

De olhos fechados
Finges que não vês
O luto carregado do poeta
Esvaziado de sonhos.

De olhos fechados
Finges que não vês
A dura desilusão
Da esperança desvanecida.

Abre os olhos
Pára de fingir que não vês.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Last night a workshop saved my life

publicado em Revista Tabu, semanário Sol, 19/10/08
Eles são engenheiros zootécnicos, estudantes do liceu, funcionários de agências de comunicação, universitários, e depois há a médica, o director comercial, o radiologista, o recém-formado publicitário, a jornalista, o administrativo numa empresa de camionagem, os professores, um dos sócios-fundadores da Go Car Tours e a Antónia - que acorda às 6 da manhã para vir de comboio desde o Porto e regressa mal acaba a aula.
São mais de 20, de idades compreendidas entre os 18 e os 50, quase todos assumindo baixas expectativas e membros do Workshop de Escrita Criativa que estou a leccionar com o meu amigo Nuno Costa Santos. Só desejam, no essencial, sair da rotina diária e aprender alguns truques que acrescentem colorido a, por exemplo, os cinzentos e-mails profissionais presos de pés e mãos ao “Exmo. Sr. Dr” e ao “Sem mais de momento, despeço-me com os mais cordiais cumprimentos”. Mas o curioso é que, entre aforismos, contos por encomenda, textos sem a palavra “que”, posts, crónicas, sketchs e uma participação oral capaz de envergonhar a universidade mais clássica, eles é que acabaram por fornecer a derradeira e mais inspiradora lição: a de que as palavras escritas podem na verdade mudar o mundo – ainda que seja pessoa a pessoa, uma de cada vez.

Visita de estudo


Próximo sábado, dia 22, já sabem que nos encontramos na Go Car Tours, Rua dos Douradores.

Embora o início da viagem esteja previsto para as 10h30, tentem por favor chegar às 10.

A PFTV vai acompanhar a nossa manhã (bem como a hora com o special guest star Nilton) e essa meia hora será muito útil para recolher depoimentos vossos.


Toca a pensar em frases geniais e absolutamente espontâneas.


De resto, já sabem que os 5 melhores textos produzidos a partir da experiência serão - com autorização dos autores, claro - aproveitados pela gerência da GO CAR (ou para o seu site, ou para o GPS ou para o que lhes der na telha). Será, para vós, uma aproximação interessante à vida profissional de um produtor de palavras: muito trabalho, pouco reconhecimento.


E com esta nota prazenteira e motivadora, desejo a todos uma grande semana!


private joke: notem que o ponto de exclamação final é admitido apenas "derivado do" carácter galhofeiro deste naco de prosa.

Uma t-shirt: Não fui ao McKee (e agora 'tou na merda)



Cheguei a estar inscrito para os 3 dias de Robert McKee em Lisboa. Infeliz e ironicamente não pude ir (tinha workshop para dar no sábado). Ah, e também uma orgia sadomasoquista para os lados de Brejos de Azeitão no domingo (escrevi isto propositadamente para evitar as palavras "um compromisso" - note-se).

Contudo, para quando for grande, continuo a sonhar ser como McKee: o homem não dá workshops, dá "Seminários".

Aliás, faz sentido. Tenho sido chagado por tanta gente iluminada pelas palavras do guru do guionismo que já desconfio que ele não é de facto 'formador' mas sim sacerdote.

Ainda bem que os 100 continhos dos antigos parecem ter sido tão bem empregues por tantos. Apesar de continuar a sentir que, para ouvir um americano dizer palavras inspiradoras, antes prefiro ver o Barack de graça na CNN.

Entretanto (e embora saiba que esta dúvida existencial é parva), ainda dou por mim a fazer esta pergunta retórica: mas que filmes exactamente é o que o senhor escreveu?

Talvez o melhor perfil


pelo João Camolas


Zé Manel é amolador. Toda a vida o foi. Nunca conheceu outro oficio. Aliás, descende de uma longa linhagem de amoladores. o pai era, o avô também. o tetravô tinha inclusive amolado as pratas e polido as jóias de família do rei D. Carlos o que, noutras condições, seria motivo de orgulho.
É um homem rude à primeira vista, mas também à segunda. Não sorri. É daqueles tipos impenetráveis a quem custa exprimir mais do que duas palavras. Quando não se faz acompanhar pela sua bicicleta, movimenta-se em silêncio, de tal modo que passa discreto pelo mundo. É um homem perturbado e aparentemente sereno.
Zé manel tem 50 anos. é um português típico; nem alto, nem baixo. Moreno, olhos negros e tez queimada, encardida, severamente fustigada pela idade. Tem um cheiro demasiado usado, gasto do tempo, mas muito intenso. É entroncado e “seco”, como é de esperar de alguém que percorre a pé as 7 colinas de Lisboa, soprando na sua gaita há mais de 40, sempre sem tirar os olhos do chão. A barba usa-a por fazer e quando a corta é com uma das suas facas o que lhe dá um aspecto severo e ainda mais áspero. O cabelo usa-o sempre curto.
Não tem amigos nem família. Apenas duas grandes paixões: as mulheres - putas, rameiras e quanto mais reles melhor –, diz que "o fazem sentir mais homem"; e o Benfica. Perde horas com as duas. De manhã enquanto traga a sandes de queijo e sorve a mini "do costume", na mesma tasca suja há 30 anos, e discute, em duas palavras de cada vez, as notícias do “glorioso” lidas, ali mesmo, nas paginas do Correio da Manhã – a sua bíblia. À noite, enquanto ciranda pelas ruas, as "do costume" há perto dos mesmos 30. Zé Manel nunca se exalta nem transpira.
A paixão doentia por prostitutas deriva da relação com a mãe, mulher-a-dias beata que recebia senhores nas horas vagas e abusava repetidamente do filho, obrigando-o a dar-lhe prazer sempre que saía um dos amantes. "ajudada a limpar o pecado", dizia ela. A devoção por Deus da mãe, ajudava sim a compreender a distancia com que Zé manel encarava hoje a igreja – à distancia.
Ainda assim ouve a Rádio Renascença, religiosamente. É a sua companhia que chega por um velho transístor, durante as caminhadas em busca de clientes, e também como cliente.

Tem apenas um vício: estripar prostitutas.

Diogo


o perfil da personagem criada pela Joana Mil-Homens


Diogo tem 34 anos. Vive com os pais aos fins-de-semana e, durante a semana, vai para Coimbra onde finge estudar economia. É um homem grande e desajeitado, quase como um gigante-bebé. Tem uma barba arruivada e sempre bem aparada, que costuma “acarinhar” quando está concentrado. Do pescoço para cima tem um aspecto cuidado, que contrasta com o aspecto “pingão” das roupas que veste. Tem uma vaidade dissimulada. Gosta de sweat-shirts, t-shirts largas e de ténis berrantes. Gosta de verde, não sabe bem porquê, até porque é benfiquista ferrenho. Tem um andar lento e arrastado, um olhar intenso, que afasta os que não o conhecem.
Filho de pais juristas e austeros, tem uma relação quase edipiana com a mãe. Adora-a e sofre porque sabe que a desilude com o curso que não acaba. Revolta-se também pela distância que ela deixou que se construísse entre eles, pelo automatismo quotidiano que caracteriza a sua relação. Com o pai quase não fala. Olha para ele com desprezo pelos valores que ele sempre perseguiu e rejubila por o ver confinado à figura de idoso.
Tem uma excelente relação com o irmão, mas este vive longe, em Braga, onde lecciona filosofia na Universidade. Suspeita da homossexualidade do irmão, mas não tem coragem para aflorar o assunto.
Diogo tem em Antonioni o seu realizador predilecto. Gosta de ler os escritores existencialistas e de policiais. Tem uma cultura assombrosa que se recusa a partilhar a menos que pressionado (ou impressionado). Tem uma certa arrogância em relação ao seu saber. Em Coimbra, leva uma existência quase patética: tem os mesmos amigos dos tempos em que entrou para a faculdade. Que entretanto se tornaram adultos, facto que Diogo tem dificuldade em aceitar. Perde-se nos dias a ler livros e a ver filmes, ocasionalmente arranjando companhia com raparigas que pouco lhe interessam mas que suprem as necessidades do corpo. Ouve American Music Club, Vincent Delerm e Richard Hawley, entre outros. Gosta de dizer que ouve música “sóbria”. Quando bebe, tem uma queda para música Soul, mas quando sóbrio nega essa tendência.
Aos fins-de-semana, que religiosamente passa em Lisboa, tem o grupo de amigos do colégio e do liceu. Um bando boémio, e imaturo, onde Diogo alcançou o estatuto de intelectual. Encontram-se de noite e discutem futebol (conseguem discutir detalhes de jogos decisivos para a época de 88/89), o Y do Público e mandam bitaites sobre política, enquanto enfrascam minis em série. Acabam a noite no Lux. Uma rotina com mais de uma década que ninguém quer deixar, embora as responsabilidades adjacentes à vida adulta façam com que os amigos de Diogo estejam a perder o ritmo frenético que os caracterizou em épocas anteriores.
Mora em Alvalade em frente à Igreja, apesar de ateu convicto. Gosta de Lisboa e de tardes na cinemateca, mas Lisboa significa viver sempre com os pais. Em Coimbra tem uma falsa sensação de independência – continua a receber mesada dos pais. Sabe que em Coimbra se rodeou de pessoas muito distantes do meio social em que cresceu (Lisboa, Colégio), mas sente-se mais confortável entre eles do que com aqueles que lhe lembram as suas falhas.

Creacionismo

um sketch muito subversivo do João Gante
Lettering tipo Coca-Cola. Todo o sketch é acompanhado pela música do anúncio da marca de animação sobre o que se passa dentro de uma máquina de refrigerantes, mas num tom religioso mais pesado, com sinos de catedral e coros.

Um casal está deitado na cama, num quarto onde só entra a luz do candeeiro da rua. Estão ambos muito vestidos – anoraks, casacos, etc. Ele beija-a, a câmara entra pela boca dela, onde se vêem 32 anões com ferramentas, em vez de dentes. Um orbe de luz aparece de repente e avança para o esófago. Este é uma cascata verdejante, por onde caem perninhas de frango, bolinhos, etc, todos muito perfeitos e simbólicos. O orbe chega ao estômago, onde é recolhido por um anjo numa quadriga de pégasos brancos, que o transporta por cima de um lago verde ardente, onde alimentos gritam e suplicam enquanto ardem no líquido escaldante. A salvo numa ilha no centro, um padre lê-lhes, aos gritos, do livro “A Gula”, enquanto lhes atira Alka-Seltzers efervescentes.
A quadriga chega, através de uma estrada de nuvens negras e trovejantes, à entrada do útero, que se assemelha a uma velha porta de catedral com querubins. Dois velhos monges cegos abrem-na. O orbe entra. Nas paredes de lado, portas com placas alinham-se: “Cozinha”, “Armário das Limpezas”, “Carreira” (fechada com correntes e cadeados). A pequena luz entra na porta “Descendência”. De cada lado, uma porta. Uma diz “Artistas” e outra “Cientistas”. Delas emana fumo negro, um brilho laranja-fogo e gritos horrendos. O orbe passa por um pórtico em mármore branco. Lá dentro, a imagem de Deus da Capela Sistina usando óculos ao meio do nariz carrega em vários botões e faz um gesto de bem-vindo ao orbe. Este aproxima-se de vários jovens adultos que parecem dormir em pé. Os homens usam fato e as mulheres uniforme de empregada doméstica. A luz pára em frente a um homem, sob o qual se lê “Consultor”. O orbe avança para o homem, este acorda, olha para o relógio, vai-se sentar a uma secretária e puxa de um papel dizendo PPR, que começa a ler.
Volta ao casal, um brilho branco emana por entre a muita roupa da mulher. Ela e o marido viram-se para a câmara, sorrindo enquanto, atrás deles, Jesus abre os braços, feliz.
Um caçador avança por um prado rodeado de coelhos que farejam o ar. Vai atirando para o ar e a cada tiro caem moitas, couves, o Moita Flores e outros vegetais. Ao último tiro, uma vaca cai-lhe em cima.
Muda para o Jantar do Clube Vegetariano da Lapa, onde velhotes ricos comem alface mas usam peles. Todos parecem olhar para uma televisão na ponta da mesa, e abanam a cabeça em tom reprovador.

domingo, 16 de novembro de 2008

ponto da situação



Sim, continuamos por agora neste poiso porque o Sapo pede mais requisitos prévios que uma virgem à espera do príncipe encantado. Quando a produção de textos terminar será então porventura feito o transbordo.

Entretanto, avisai os cônjuges desconfiados e os amigos ciumentos do regresso ao lar, doce lar.

Atenção ainda à caixa de correio electrónico do workshop, onde já se encontram textos teóricos sobre matérias que vos farão enfim atingir a suprema e mais duradoura felicidade. Ou não.

Afonso Trindade de Noronha

Um perfil que é uma verdadeira AUTÓPSIA. Impressionante e da autoria da Andreia Moreira.
“Storyline”: Caberá uma vida inteira em duas pesadas sacolas? Pode o peso de uma existência ser suportado diariamente? Afonso acha que sim. Afonso sabe que tem de ser assim. Quando a catástrofe que pressente (paranoicamente), há anos, acontecer, irrefutável, quer ter tudo aquilo de que necessita consigo, para poder começar de novo onde quer que seja. Todos os dias para si são importantes porque encerram uma busca da qual só desistirá se morto. A busca pela Inês que conheceu e perdeu antes que pudesse, quem sabe, arrepender-se. Apenas o prenúncio do amor. Não o amor em si, mas já o suficiente para que viva uma vida inteira em função dele. É pena que nas sacolas não caibam o seu amigo João Faz e a sua Tia Gertrudes. Não pode sequer imaginar o terror que sentirá, aquando da catástrofe, por não saber deles.
Nome: Afonso Trindade de Noronha
Filho de: Augusto Albergaria de Noronha e Maria Ana Trindade de Noronha
62 anos de idade

Características físicas: Homem de estatura baixa (1,65m); muito magro; cabelo grisalho forte; ri-se sempre de boca fechada (uma meia-lua apenas) mas tem os dentes impecavelmente brancos e direitos; olhos quase negros; óculos demasiado grandes para a sua face, feitos de massa; barba sempre impecavelmente feita; nariz batatudo; tem um sinal por baixo do olho direito; moreno (mesmo no Inverno a pele tem um tom bonito, ligeiramente bronzeado); as orelhas são muito grandes mas não se vêem porque estão sempre tapadas pelo farto cabelo; mãos delicadas com os dedos muito longos, tem nas mãos regularmente eczema. Tenta minorar a possibilidade de infecção usando nos períodos em que o eczema ataca com mais força umas luvas sem dedos; os pés são enormes (calça 45); no braço esquerdo tem uma tatuagem com o par yin-yang; como come uma cabeça de alho todas as semanas, exala muitas vezes esse cheiro; não tem outro cheiro nos dias restantes; nunca teve uma doença grave (é 100% saudável) raramente se constipa (por causa do alho?); a sua voz é grave e muito bonita (poucas vezes fala); é muito discreto e quando se cruza pelas pessoas baixa o olhar fitando o chão, raramente as encara. Roupa que enverga é muito velha mas impecavelmente cuidada. Não se vê um buraco ou um remendo, contudo o seu ar é de pessoa sem recursos que vive no limiar da pobreza. Sapatos pretos velhos mas sem buracos; calças de fazenda que parecem dos anos 60; pullover, camisa e um blazer com reforço nos cotovelos, usa sempre uma boina preta. Ao ombro um saco muito pesado (o que é indicado pela curvatura do seu corpo enquanto anda) e na mão contrária a esse ombro, outro saco igualmente pesado que contrabalança a outra carga. São sacos grandes de pano muito resistente. Porte digno e aprumado apesar da antiguidade de tudo o que o compõe.
Socialmente: Nasceu em Lisboa, do cruzamento de duas árvores genealógicas de origens abastadas, teve infância muito feliz resultado do amor genuíno que unia os pais. Não fora um casamento combinado como usual à época e sim um encontro de duas almas. A partir do dia em que se viram pela primeira vez, jamais se voltaram a separar, mantendo no entanto a sua individualidade enquanto pessoas. Eram um casal saudável e feliz. Afonso cresceu sem preocupações. Quando a guerra nas antigas colónias portuguesas se tornou um destino traçado, fugiu. Desapareceu a todos (embora mantivesse sempre o contacto clandestino com a sua mãe) e esteve em Londres muitos anos, dos quais tem muitas histórias para contar. Nessa altura perdeu de vista uma mulher por quem se apaixonou perdidamente e de quem nunca mais soube o que quer que fosse. Anda desde 1975, altura em que regressou a Portugal à sua procura, seguindo-lhe o rasto em arquivos de jornais e organismos públicos que possuam dados sobre os cidadãos. Nunca exerceu uma profissão. A sua conta bancária permitiu-lhe sempre viver com o que pensa ser suficiente para que se viva “bem”. É um homem de poucos caprichos. Todos os meses retira até à quantia que julga ser razoável para um dia-a-dia remediado e reserva sempre uma parte para ir ajudando outras pessoas que veja em real precariedade. Vive num quarto em casa de uma tia idosa, na Avenida de Roma que o deixa servir-se das partes comuns da casa como se fosse seu filho. Limpa o quarto duas vezes por mês. Tem no quarto uma gaiola com dois canários que passa a vida aberta porque lhe faz muita confusão a privação de liberdade. Eles nunca fugiram. Na sua mesa-de-cabeceira a fotografia a sépia da mulher que o apaixona há uma vida. Inês Alexandre Belo. Todos os dias deixa o seu quarto em casa da tia e parte na sua busca por Inês. Todos os dias, apanha pontualmente o mesmo autocarro, deixando que toda a gente lhe passe à frente e sendo sempre o último a entrar. Às vezes corre para o apanhar. Às 9h05 todos os dias. Nunca votou. Nunca se interessou por política mas esteve sempre a par de tudo o que ia acontecendo até ao presente. Era forte a convicção que a guerra não era para si. É do Sporting. O pai sempre o levou aos jogos em pequeno, enquanto a mãe ficava em casa da Tia Gertrudes (com quem vive actualmente) a conversar e a tricotar camisolas que levavam depois a instituições de crianças carenciadas. Gosta de música clássica, principalmente em piano que também sabe tocar de forma exímia embora só o faça muito esporadicamente quando a tia sai. Todos os anos vai à ópera, uma única vez, no São Carlos, ocasião para a qual dispõe de um fato novo muito bonito que, todos os anos, se revela adequado. É esse o seu único luxo. O seu prato favorito é caldeirada de peixe. Não entra num restaurante desde que era muito novo e ia com os seus pais mas lembra-se bem do quanto gostava desse prato. A tia não o sabe fazer e ele também não cozinha. Faz o essencial para não morrer à fome. Come demasiadas vezes bolos e folhados e apesar disso uma saúde de ferro e uns dentes invejáveis. Tem um único amigo, João Faz, a quem confia a sua vida e com quem se encontra num dos bancos do Jardim da Estrela. Ele tem Alzheimer e já pouco fala mas ainda o reconhece. Ficam muitas vezes apenas sentados, lado a lado, num silêncio cúmplice. Acredita em Deus mas não na igreja, rezando todas as noites uma oração inventada por si. Solteiro. Nunca casou. Nunca se envolveu com ninguém à excepção das prostitutas a quem paga volta e meia para ter sexo e conversar sobre as mulheres. A Inês nunca chegou a ser sua. Já se masturbou a pensar nela. (Será que isto devia ir para o psicológico - pensar? Ou para o físico? – mãozinha) Estudou até à altura de ir para a faculdade mas nunca ingressou numa. Não lhe interessava. Não precisava também. É uma pessoa interessada que lê muito e senhor de uma vasta cultura a diferentes níveis. Algumas fontes: rádio que transporta num dos sacos que carrega, bibliotecas onde passa várias horas do seu dia devorando os livros que lhe despertam a curiosidade e os arquivos onde enceta a sua busca por Inês e onde aproveita para conhecer outros factos, tanto do passado, como do presente. Não gosta de ver televisão. Não bebe café. Não fuma. Nunca lhe negaram entrada onde quer que fosse, apesar do seu ar.
PSICOLOGICAMENTE:
Afonso é um homem paranóico. Convenceu-se que um dia uma catástrofe o há-de tentar apanhar desprevenido e privá-lo do que considera essencial para viver bem. Resolveu esse medo irracional, transportando todos os dias dois grandes sacos de pano que encerram tudo o que considera vital para começar de novo em qualquer lugar. Nunca a tia o conseguiu dissuadir de semelhante delírio. Nunca ninguém o conseguiu persuadir acerca do que quer que fosse que não estivesse disposto a aceitar. Obstinado fez sempre aquilo que o seu interior lhe ditou. Jamais permitiu interferências exteriores a si no que toca a decidir o seu rumo. Vive todos os dias com a sombra da catástrofe sobre a sua cabeça. Não sabe o que vai ser, mas acredita piamente estar completamente preparado. A única lacuna no seu plano (im)perfeito é não poder transportar consigo nas sacolas as duas pessoas que lhe são mais queridas, o João Faz e a tia Gertrudes. Quanto aos canários não se preocupa. Como lhes deixa a gaiola aberta e a janela com a abertura suficiente para que passem, se assim o desejarem, sabe que irão ter consigo no fatídico dia, ou pelo menos sabe que têm essa possibilidade de o fazer e por isso, por eles, não se atormenta. Gosta muito de ler, aliás é nesses momentos que se sente preenchido, nesses e nos momentos em que procura a Inês. É um saudosista, vive a vida alimentando-se de recordações, algumas das quais mais fruto da sua imaginação romântica do que fruto de uma experiência vivida. De temperamento calmo, nunca discutiu com quem quer que fosse e não suporta quando as vozes se elevam, nem a intolerância das outras pessoas por isso isola-se muito. Não se lembra da última gargalhada. Não se lembra da última vez que chorou com desespero. Tem vivido assim com uma meia-lua no rosto (um estado intermédio e morno) que o demonstra benigno aos outros, aos que conseguem dar por ele. A sua cor favorita é o laranja porque lhe lembra as flores (gereberas) que ofereceu a Inês a última vez que a viu. É um homem de fé. Para ele nunca é tarde. Tem no saco um bloco onde escreve intermináveis listas de tudo o que ainda lhe falta fazer. Não passa por um sem-abrigo ou por uma pessoa que pressinta em dificuldade sem se lhe dirigir. Nesses momentos fala com a sua voz quente e reconforta as pessoas. É também incapaz de virar costas a um animal em sofrimento (um pássaro caído do ninho, um cão ferido, um gato com fome) auxilia-os na medida das suas possibilidades. É uma pessoa afável e carinhosa mas poucas são as pessoas que o conseguem testemunhar dada a sua pacatez. É um homem de uma inteligência intuitiva, não daquelas inteligências de raciocínio rápido em cálculo e em lógica, é antes uma inteligência para as pessoas e para aquilo que lhes faz mais falta (emocionalmente falando). Desprovido de ganância não dá muito valor ao dinheiro que se encontra na sua conta recheada no banco. Acredita ser possível ser-se feliz só com a contemplação da beleza das coisas que são naturais, como um pôr-do-sol, o mar revolto em dias cinzentos, uma planície completamente seca e árida no Verão, as cores de um pássaro desconhecido ou o pêlo macio de um gato. Acredita que verá novamente Inês. Acredita que o seu amigo se curará um dia da doença funesta. Acredita que ainda tem muito tempo para fazer muita coisa. Sente um terror real quando pensa na “catástrofe” e nessas alturas verifica de forma doentia os conteúdos dos sacos. É metódico, rigoroso e honesto. Nunca enganou quem quer que fosse. Tem medo de trovoadas porque acha que são os anúncios da dita catástrofe. Sente inveja dos que amam. Sente ciúme pela vida que a Inês provavelmente terá. Sente mágoa pelo exílio. Apesar de toda a vida ter vivido errante e sem grandes companhias nunca se sentiu só.
(Ainda queria falar do conteúdo do saco e dizer-vos qual a oração que o Afonso inventou para falar com Deus directamente… Terá de ficar para as cenas do próximo episódio. A página A4 - no máximo - deu lugar a 3 e eu não quero maçar… )

Morto maçado



um sketch de Joana Mil-Homens e João Camolas


Numa Igreja, uma família chora o morto. O Padre chega.
padre
Estamos aqui a velar este nosso irmão que será para sempre lembrado como pai de família exemplar, amigo do seu…
Morto
Alto e pára o baile! Aqui neste caixão ninguém vai ser lembrado como pai amantíssimo… Aqui se há coisa que ninguém vai esquecer é as lágrimas, o suor, qu’eu dei p’lo meu Benfica
padre
Oh homem, que nem morto tens juízo… Olha o que choram as tuas filhas…
Morto
Porcas… Isto é o meu velório e não quero nem vê-las… Lá p’ra trás, bardajonas…
“O pai não pode andar de saltos altos”, “oh mãe ele roubou-me o verniz”.. Porcas! Aqui a chorar… Pa todos verem, não é?… Sonsas…
Volta a deitar-se.
padre
Bom, como dizia, estamos aqui a velar este nosso irmão que será para sempre lembrado como sócio do Benfica exemplar, amigo do seu amigo… é assim?
Morto
Isso sim… Que temos de ser unidos. Joãozinho, Carlos, Joca, venham para aqui. Isso, vocês choram aqui por mim. Pertinho do meu caixão. Joca, vês, era este o cetim que eu dizia, para forrares os estofos do camião (aponta para o caixão). Isso, chora que vais ter saudades minhas.
padre
Estamos hoje, aqui, a velar o Luís…
Morto
Luisão, senhor Padre, quero que me trate por Luisão…
padre
Então que é isso, Luís, respeita a Igreja. Mais coisa menos coisa estás a ser chamado à presença de Deus.
Morto
Oh, senhor Padre, vai desculpar-me, mas este é o MEU velório. Bem bastou aturar a vontade dos outros em vida. Esta festa é minha. Tem de ser como eu quero. Vamos lá, pessoal!
Coro despe as batinas, revelando roupa interior kinky, ouve-se, em fundo, a voz da Glória Gaynor
padre
Então que é isso, Luís, irmãos, respeitem a Igreja. Deus está a ver-vos!!
morto
Ah porca voyeurista!!! Posso em todo o lado, estou em todo o lado, chego a todo o lado. ‘Tou doido para estar de joelhos, junto de Deus!

Primeiro amor, procura-se



um excelente trabalho de Susana Tavares


Nota introdutória: a minha personagem é baseada, quase integralmente, na concorrente vencedora do último “Momento da Verdade”. Numa eventual curta-metragem, não imagino outra actriz a desempenhar o papel que não a São José Correia.


Story Line:

uma mulher de meia-idade que, apesar de já ter dormido com mais de 20 homens, nunca viveu o primeiro amor.

Perfil da personagem:

Virgínia Gonçalves tem quarenta e poucos anos, mas o corte de cabelo moderno e a maquilhagem “tiram-lhe uns aninhos”. Usa sempre maquilhagem. Porque lhe faz bem ao ego e porque a protege do mundo ao dar-lhe uma segunda pele – o ar de mulher-de-bem-com-a-vida que Virgínia gosta de cultivar. Nasceu em Moçambique e talvez venha daí o seu ar exótico. Morena, de feições fortes, duras até, impressiona pela sua presença. É uma mulher fisicamente interessante, sabe disso e usa-o em seu favor. Nunca lhe faltaram pretendentes e Virgínia nunca se negou a affairs. O sexo para si não é tabu. Já se relacionou com homens mais novos, mais velhos, casados, que a amavam, mas que nunca foram correspondidos. Virgínia nunca amou um homem.

Veste-se com roupas “da feira”, das lojas do chineses ou de outras origens igualmente baratas, mas conjuga todas as peças e acessórios com bom-gosto, ou não fosse ela uma mulher prática e desenrascada. O que faz com a roupa, sempre fez com tudo na vida: tenta encontrar em cada coisa o seu lado bonito. O pensamento positivo com que encara a vida tem-lhe permitido esquecer o passado e viver cada dia do presente com uma motivação renovada. O seu lema de vida é: “Para a frente que atrás vem gente”.
Mudou de emprego várias vezes ao longo da sua vida. Como não é mulher de trabalhar só para ganhar dinheiro, nunca parou muito tempo nas lojas e supermercados que lhe davam trabalho. A sua formação não lhe permitia arranjar coisa melhor. Virgínia abandonou a escola muito cedo, instigada pela mãe a trabalhar para se auto-sustentar e, como tal, não acabou o quinto ano. Mas naquela a que chama a “escola da vida” é doutorada. Encontrou o emprego ideal há poucos anos, como tratadora de cães. Adora o que faz, mesmo sendo mal paga. Adora animais. Na verdade, entende-se melhor com os animais do que com as pessoas.
Virgínia tem uma filha com cerca de vinte anos, Mara, fruto de uma relação passageira com um homem mais velho. Virgínia nunca amou o pai da sua filha e sempre fez questão de lho dizer. Nunca moraram juntos, nunca formaram família. Sempre foi Virgínia e Mara, apenas. Sempre foi morna a relação de Virgínia com a filha, algumas vezes fria. Virgínia não consegue ser de outra maneira. Ama incondicionalmente a sua filha e daria a vida por ela, mas nunca foi capaz de lhe dar um abraço. Não consegue dar aquilo que nunca recebeu.
Não se sente boa mãe. Há nela um egoísmo que a impede de dar incondicionalmente tudo de si à filha. Sempre achou que Mara tinha nascido sem que estivesse preparada para ser mãe e, por isso mesmo, nunca abdicou das suas vontades pela filha. Sempre que lhe apetecia “desanuviar”, deixava a filha ao cuidado do pai. As ausências de Virgínia chegavam a durar meses. Mas quando voltava para junto da filha, era uma mãe presente, a melhor que conseguia ser. As variações de personalidade de Virgínia sempre a caracterizaram. Vive num limbo entre a vontade de viver desenfreadamente e sem amarras e a necessidade visceral de uma âncora que a prenda. Mara é a âncora de Virgínia, como outrora a sua mãe já o fora.
Virgínia apelida a mãe de “bruxa”. Está de relações cortadas com a empregada de limpeza que a criou sozinha e maltratou durante anos a fio. Não se falam há anos. Com o seu pai, Virgínia não se lembra sequer de alguma vez ter falado. O técnico de aviação abandonou mãe e filha, tinha Virgínia dois anos. Cedo demais para ela recordar a cara do pai ou ter algum tipo de referência dele. Sabe que é muito parecida com o pai porque a sua mãe sempre fez questão de lho dizer. A mãe nunca lhe escondeu o quanto era doloroso encarar o rosto de uma filha que, a cada feição, lhe lembrava o homem que ela lutava por esquecer. A genética transformou Virgínia num saco de boxe de uma mulher amargurada pela vida.
A infância e adolescência foram vividas entre castigos infligidos dentro de casa e delitos cometidos fora de casa. Conheceu duas ou três casas de correcção de onde sempre fugia. E voltava, após uma e outra fuga, sempre para casa da mãe, onde mais um castigo a esperava. Virgínia não tinha mais ninguém além daquela mãe castigadora, não sabia para onde fugir. Ou talvez já não soubesse viver fora dali, talvez os castigos a tivessem viciado. Com o passar do tempo, habituou-se a ser repreendida, renegada e enxovalhada. O primeiro homem com quem se relaciona é um “bom partido” arranjado pela sua mãe. Aos vinte anos, Virgínia casa-se com um homem que mal conhece e que muito menos ama. Meses depois, foge. Mais uma fuga na vida desta mulher, mas desta vez não para casa da mãe. Foge para Portugal, com dinheiro roubado ao marido de fachada, o suficiente para a viagem e para umas semanas de sustento. Em África deixou um passado tortuoso e um quadro familiar que explica muito do que Virgínia é enquanto mãe e mulher.