domingo, 16 de novembro de 2008

Primeiro amor, procura-se



um excelente trabalho de Susana Tavares


Nota introdutória: a minha personagem é baseada, quase integralmente, na concorrente vencedora do último “Momento da Verdade”. Numa eventual curta-metragem, não imagino outra actriz a desempenhar o papel que não a São José Correia.


Story Line:

uma mulher de meia-idade que, apesar de já ter dormido com mais de 20 homens, nunca viveu o primeiro amor.

Perfil da personagem:

Virgínia Gonçalves tem quarenta e poucos anos, mas o corte de cabelo moderno e a maquilhagem “tiram-lhe uns aninhos”. Usa sempre maquilhagem. Porque lhe faz bem ao ego e porque a protege do mundo ao dar-lhe uma segunda pele – o ar de mulher-de-bem-com-a-vida que Virgínia gosta de cultivar. Nasceu em Moçambique e talvez venha daí o seu ar exótico. Morena, de feições fortes, duras até, impressiona pela sua presença. É uma mulher fisicamente interessante, sabe disso e usa-o em seu favor. Nunca lhe faltaram pretendentes e Virgínia nunca se negou a affairs. O sexo para si não é tabu. Já se relacionou com homens mais novos, mais velhos, casados, que a amavam, mas que nunca foram correspondidos. Virgínia nunca amou um homem.

Veste-se com roupas “da feira”, das lojas do chineses ou de outras origens igualmente baratas, mas conjuga todas as peças e acessórios com bom-gosto, ou não fosse ela uma mulher prática e desenrascada. O que faz com a roupa, sempre fez com tudo na vida: tenta encontrar em cada coisa o seu lado bonito. O pensamento positivo com que encara a vida tem-lhe permitido esquecer o passado e viver cada dia do presente com uma motivação renovada. O seu lema de vida é: “Para a frente que atrás vem gente”.
Mudou de emprego várias vezes ao longo da sua vida. Como não é mulher de trabalhar só para ganhar dinheiro, nunca parou muito tempo nas lojas e supermercados que lhe davam trabalho. A sua formação não lhe permitia arranjar coisa melhor. Virgínia abandonou a escola muito cedo, instigada pela mãe a trabalhar para se auto-sustentar e, como tal, não acabou o quinto ano. Mas naquela a que chama a “escola da vida” é doutorada. Encontrou o emprego ideal há poucos anos, como tratadora de cães. Adora o que faz, mesmo sendo mal paga. Adora animais. Na verdade, entende-se melhor com os animais do que com as pessoas.
Virgínia tem uma filha com cerca de vinte anos, Mara, fruto de uma relação passageira com um homem mais velho. Virgínia nunca amou o pai da sua filha e sempre fez questão de lho dizer. Nunca moraram juntos, nunca formaram família. Sempre foi Virgínia e Mara, apenas. Sempre foi morna a relação de Virgínia com a filha, algumas vezes fria. Virgínia não consegue ser de outra maneira. Ama incondicionalmente a sua filha e daria a vida por ela, mas nunca foi capaz de lhe dar um abraço. Não consegue dar aquilo que nunca recebeu.
Não se sente boa mãe. Há nela um egoísmo que a impede de dar incondicionalmente tudo de si à filha. Sempre achou que Mara tinha nascido sem que estivesse preparada para ser mãe e, por isso mesmo, nunca abdicou das suas vontades pela filha. Sempre que lhe apetecia “desanuviar”, deixava a filha ao cuidado do pai. As ausências de Virgínia chegavam a durar meses. Mas quando voltava para junto da filha, era uma mãe presente, a melhor que conseguia ser. As variações de personalidade de Virgínia sempre a caracterizaram. Vive num limbo entre a vontade de viver desenfreadamente e sem amarras e a necessidade visceral de uma âncora que a prenda. Mara é a âncora de Virgínia, como outrora a sua mãe já o fora.
Virgínia apelida a mãe de “bruxa”. Está de relações cortadas com a empregada de limpeza que a criou sozinha e maltratou durante anos a fio. Não se falam há anos. Com o seu pai, Virgínia não se lembra sequer de alguma vez ter falado. O técnico de aviação abandonou mãe e filha, tinha Virgínia dois anos. Cedo demais para ela recordar a cara do pai ou ter algum tipo de referência dele. Sabe que é muito parecida com o pai porque a sua mãe sempre fez questão de lho dizer. A mãe nunca lhe escondeu o quanto era doloroso encarar o rosto de uma filha que, a cada feição, lhe lembrava o homem que ela lutava por esquecer. A genética transformou Virgínia num saco de boxe de uma mulher amargurada pela vida.
A infância e adolescência foram vividas entre castigos infligidos dentro de casa e delitos cometidos fora de casa. Conheceu duas ou três casas de correcção de onde sempre fugia. E voltava, após uma e outra fuga, sempre para casa da mãe, onde mais um castigo a esperava. Virgínia não tinha mais ninguém além daquela mãe castigadora, não sabia para onde fugir. Ou talvez já não soubesse viver fora dali, talvez os castigos a tivessem viciado. Com o passar do tempo, habituou-se a ser repreendida, renegada e enxovalhada. O primeiro homem com quem se relaciona é um “bom partido” arranjado pela sua mãe. Aos vinte anos, Virgínia casa-se com um homem que mal conhece e que muito menos ama. Meses depois, foge. Mais uma fuga na vida desta mulher, mas desta vez não para casa da mãe. Foge para Portugal, com dinheiro roubado ao marido de fachada, o suficiente para a viagem e para umas semanas de sustento. Em África deixou um passado tortuoso e um quadro familiar que explica muito do que Virgínia é enquanto mãe e mulher.

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