belíssimo perfil pela Margarida Santos
Catarina tem 14 anos. É morena, tem olhos negros e tez demasiado clara. É baixa para a sua idade e um pouco roliça.
Já é uma mulher, ou assim lhe fazem crer desde que chegou o sangue que mensalmente lhe esventra as entranhas, e filha de pais separados. Vive com a mãe. Uma mulher que não consegue verdadeiramente amar, ciente da fraqueza do seu espírito e da forma fraca como conduziu as suas vidas, desde que o pai abandonou o lar. Com o pai, pouco convive. A relação constrói-se apenas de umas quantas refeições no restaurante próximo do liceu e telefonemas em igual número. De qualquer modo tem poucas boas recordações da presença dele lá em casa. Durante a semana praticamente não o via, em virtude das imensas reuniões, que mais tarde se vieram a descobrir ter nome de mulher. A excepção faz-se do dia em que o viu bater na mãe, a arrastá-la pelos cabelos e colocá-la à porta de casa, na rua, enquanto esta, em perfeito estado de subjugação física e mental apenas lhe gritava “Olha a menina, olha a menina”. Tinha quatro anos, mas ainda guarda a cicatriz do episódio na memória e no joelho esquerdo, que esfrega, com relativo e discreto vigor, sempre que está perto do pai.
Ainda hoje, não compreende como é que a mãe a fez correr ruas e ruelas de Lisboa, em pleno mês de Novembro, sob uma capa de chuva torrencial, à procura daquele cobarde, que lhe batia e as tinha abandonado à mercê dum pequeno papel branco deixado na cozinha sob a fruteira, e no qual rezava apenas “A porta da rua é serventia da casa - palavras tuas”. É também por isso que detesta lugares–comuns e frases feitas.
Já salvou a mãe do suicídio, em pelo menos duas ocasiões, e desconfia de outras tantas tentativas impedidas meramente pela sorte, mas a mãe não lhas confirma.
Passa demasiadas noites acordada, incapaz de compreender o mal que terá feito para este imenso estado de abandono em que se encontra. Pensa em suicidar-se, e tem pesquisado a net à procura da melhor solução.
O pai não lhe deixa faltar o dinheiro. Compensa as omissões de amor por esta via, e Catarina não o contraria. Estas manifestações de imenso amor parental permitem-lhe os prazeres esporádicos do haxixe e do álcool com a malta do bairro, com quem não deslumbra afinidades maiores do que as do vício e do rebordo dos copos de shot.
De quando em vez, alinha com a ala mais artistica, e pinta grafittis nas paredes nuas da capela que existe no final da rua. “É a vingança pela vida que me deste!” – grita tão veloz como a tinta espirra da lata de cor vermelha. Adora ler, e a par do livro que diariamente transporta consigo para onde quer que vá, anda o seu caderno Moleskine, capa de cor parda, uma prenda inesperada da única avô que lhe resta, e na qual revê a mulher que um dia, se as forças lhe permitirem, gostava de se tornar, e onde vai dando corpo ao vício de escrevinhar os pensamentos que lhe chegam com uma fluidez tal, que por vezes, mesmo a rapidez da mão já treinada para este exercício não consegue em absoluto transcrever. Quando está sozinha, corta-se. Gosta da sensação de poder e de controlo. A mãe deprimida desconfia de algo, e ultimamente pergunta-lhe com frequência se não gostaria de ir a um psicólogo. Ignora-a, mas desconfia que a recente aproximação do seu pai, tem por base esta preocupação crescente.
Já é uma mulher, ou assim lhe fazem crer desde que chegou o sangue que mensalmente lhe esventra as entranhas, e filha de pais separados. Vive com a mãe. Uma mulher que não consegue verdadeiramente amar, ciente da fraqueza do seu espírito e da forma fraca como conduziu as suas vidas, desde que o pai abandonou o lar. Com o pai, pouco convive. A relação constrói-se apenas de umas quantas refeições no restaurante próximo do liceu e telefonemas em igual número. De qualquer modo tem poucas boas recordações da presença dele lá em casa. Durante a semana praticamente não o via, em virtude das imensas reuniões, que mais tarde se vieram a descobrir ter nome de mulher. A excepção faz-se do dia em que o viu bater na mãe, a arrastá-la pelos cabelos e colocá-la à porta de casa, na rua, enquanto esta, em perfeito estado de subjugação física e mental apenas lhe gritava “Olha a menina, olha a menina”. Tinha quatro anos, mas ainda guarda a cicatriz do episódio na memória e no joelho esquerdo, que esfrega, com relativo e discreto vigor, sempre que está perto do pai.
Ainda hoje, não compreende como é que a mãe a fez correr ruas e ruelas de Lisboa, em pleno mês de Novembro, sob uma capa de chuva torrencial, à procura daquele cobarde, que lhe batia e as tinha abandonado à mercê dum pequeno papel branco deixado na cozinha sob a fruteira, e no qual rezava apenas “A porta da rua é serventia da casa - palavras tuas”. É também por isso que detesta lugares–comuns e frases feitas.
Já salvou a mãe do suicídio, em pelo menos duas ocasiões, e desconfia de outras tantas tentativas impedidas meramente pela sorte, mas a mãe não lhas confirma.
Passa demasiadas noites acordada, incapaz de compreender o mal que terá feito para este imenso estado de abandono em que se encontra. Pensa em suicidar-se, e tem pesquisado a net à procura da melhor solução.
O pai não lhe deixa faltar o dinheiro. Compensa as omissões de amor por esta via, e Catarina não o contraria. Estas manifestações de imenso amor parental permitem-lhe os prazeres esporádicos do haxixe e do álcool com a malta do bairro, com quem não deslumbra afinidades maiores do que as do vício e do rebordo dos copos de shot.
De quando em vez, alinha com a ala mais artistica, e pinta grafittis nas paredes nuas da capela que existe no final da rua. “É a vingança pela vida que me deste!” – grita tão veloz como a tinta espirra da lata de cor vermelha. Adora ler, e a par do livro que diariamente transporta consigo para onde quer que vá, anda o seu caderno Moleskine, capa de cor parda, uma prenda inesperada da única avô que lhe resta, e na qual revê a mulher que um dia, se as forças lhe permitirem, gostava de se tornar, e onde vai dando corpo ao vício de escrevinhar os pensamentos que lhe chegam com uma fluidez tal, que por vezes, mesmo a rapidez da mão já treinada para este exercício não consegue em absoluto transcrever. Quando está sozinha, corta-se. Gosta da sensação de poder e de controlo. A mãe deprimida desconfia de algo, e ultimamente pergunta-lhe com frequência se não gostaria de ir a um psicólogo. Ignora-a, mas desconfia que a recente aproximação do seu pai, tem por base esta preocupação crescente.
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