domingo, 16 de novembro de 2008

Ata-me (mas não me aleijes)




resultado do exercício de sketchs - pela dupla Andreia Moreira / Susana Tavares


O sketch começa com imagens clipadas, sonorizadas com música dramática. Nas imagens: vários funcionários da EMEL vagueiam pela cidade, com um ar tresloucado e um olhar vazio. Entraram em colapso, pois já ninguém estaciona mal os seus carros. As pesadas multas e os constantes bloqueamentos dos carros educaram os condutores. Agora, os funcionários encetam tentativas de bloquear pessoas que vejam paradas por mais de 4 minutos em cima dos passeios. No fim das imagens, o título do sketch: “Ata-me, mas não me aleijes!”.

O funcionário da EMEL fala para o seu walkie-talkie.

funcionário da emel
Foi detectada sujeita em situação de estacionamento incorrecto na via pública. Trata-se nomeadamente de um passeio recém restaurado por calceteiros qualificados.

Devagar e de forma cautelosa, esquivando-se a ser visto antes de tempo, dirige-se a uma dona-de-casa de meia-idade que se encontra parada, cheia de sacos de plástico na mão a olhar para o relógio. É a típica dona de casa. Mal cuidada, descrente da vida e sem qualquer pinga de amor-próprio. Ao chegar ao pé dela, o funcionário levanta-lhe os braços até formarem ângulo recto com o corpo.


funcionário da emel
Vou proceder ao seu bloqueamento. Sossegada se faz o favor.

dona-de-casa
Vais o quê filho? Fala um ‘cadito mais alto que não te escuto.

funcionário da emel
(Impávido) Vou ler-lhe as condições de bloqueamento: São 17h30 do dia 8 de Novembro de 2008, a senhora encontra-se aqui especada há mais de 4 minutos e 59 segundos e como tal será bloqueada.

dona-de-casa
O quê? (Aponta para um sinal de cargas e descargas) Mas ali diz que se pode parar aqui para cargas e descargas… (Mostra os sacos) E eu estou carregadinha!

funcionário da emel
Pois, mas ali também diz “excepto pesados” e a madame ‘tá na categoria dos pesados de mercadorias.

dona-de-casa
Prontos, também não é preciso ofenderes. Deixa-me lá ir à minha vidinha e fazemos de contas que não se passou nada.

funcionário da emel
A senhora daqui só sai depois de alguém pagar a multa.


dona-de-casa
Depois de alguém pagar?! Oh filho, quem é que julgas que eu sou?! Olh’ó respeito!

funcionário da emel
Eu estou a referir-me à multa! Alguém vai ter de a pagar!

A dona-de-casa saca de um lencinho e começa a choramingar para se livrar da multa.

dona-de-casa
Lá se vai a minha reforma…

funcionário da emel
Veja, faço apenas o meu trabalho. Há que manter as nossas ruas limpas.

A dona-de-casa passa do lamento para a agressividade.

dona-de-casa
Ah ele é isso? ‘Pera aí que eu já te digo.(Grita) Acudam! Acudam! Este homem quer violar-me com métodos sadomaso! (aos gritos, descontrolada)

funcionário da emel
Sadomaso? Nem sei o que é isso. Minha senhora, só quero esta rua limpa.

dona-de-casa (possuída pelo demónio)
Estás a chamar-me porca? Tu estás a chamar-me porca?

A dona de casa começa a bater-lhe com a mala e com os sacos.

funcionário da emel
Se a senhora não se acalma meto-lhe o aviso de reboque na boca.

dona-de-casa
Na boca? Na boca não me pões nada oh meu grande badalhoco.

Passa um miúdo na altura que a dona-de-casa conhece.

dona-de-casa
Oh Trincas filho vai chamar o meu Emídio, que eu estou aqui com uma arreliação de todo o tamanho.

Trincas
O que é que me dá?

dona-de-casa
Não digo ao teu pai o que te vi fazer atrás da escola com o Palas e já estás cheio de sorte.

Trincas
Estou a ir! Estou a ir!

Elipse. Aparece o Emídio apressado.

emídio
O que é que se passa Belinha?

dona-de-casa
Este homem horroroso atou-me toda e agora quer pôr-me as sapatas amarelas. E tu sabes, tu sabes como eu sofro dos joanetes.

emídio
Confuso) O Trincas falou-me em sadomaso qualquer coisa e que a história do Palas é mentira…

funcionário da emel
Bom, se não se importam vou colocar os bloqueadores propriamente ditos.

emídio
Não pode dar um jeitinho? Os seus colegas têm dado uma tolerância de pelo menos 10 minutos…

funcionário da emel
A lei é para se cumprir. Mas já vi que vai ser difícil colar-lhe o aviso na boca. Leve-a... mas nada de se gabar ouviu? Senão para a próxima bloqueio os dois.

emídio
(Apertando-lhe vigorosamente a mão) Muito obrigado! Um grande bem-haja.

Vira-se para a mulher e pega-lhe nos sacos.

emídio
Anda belinha. Vamos para casa.

A dona-de-casa puxa a manga ao marido e diz-lhe baixinho:

dona-de-casa
Emídio?

emídio
Sim Belinha…

dona-de-casa
Afinal já não quero a fritadeira, nem o espremedor de citrinos, nem a faca eléctrica “ouvistes”?

emídio
(Incrédulo) Era o que andavas a pedir há meses… Que se passa?

A dona-de-casa fala agora de forma meiga e dengosa.

dona-de-casa
Mudei de ideias… Vai lá pedir ao senhor se te arranja um ‘cadito daquela fita.

emídio
P’ra quê Belinha?

A imagem desfoca e quando volta a focar vê-se a dona-de-casa, já no repouso do lar, enfiada numa lingerie pavorosa.

dona-de-casa
Ata-me Midinho! Mas não m’aleijes

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