a Vanessa Luz também, embora cumprindo mais rigorosamente os requisitos técnicos de um perfil de personagem. Por outras palavras, é a versão literária de um perfil.
É assim que alguns o chamam, e ele tolera em relação ao seu nome, Joaquim Bonito. Injusta dominância paterna, herança mal-parecida. Desde tenra idade que sente o apelido envergonhar a sua fraca figura, o ar pasmado e misantropo desprovido de cor. Uma inércia expressiva que cedo viu reflectida no espelho e agora vê deteriorada pelos seus 46 anos. Olha frequentemente para os seus pés, renega o aspecto cada vez mais rústico e encarquilhado que contrasta com a tez ainda mais fraca, uma visão descabida do que ele ainda acredita ser. Estranhamente, apesar de não apreciar o seu corpo, sente-o como merecidamente seu. A musculatura lânguida e o porte taciturno conferem-lhe o conjunto tímido, porém de proporções inesperadamente fortes, uma distribuição óssea equilibrada. E também pelo cabelo, uma melena jovialmente luzidia que irrompe o rosto macilento. Finalmente as mãos, que são finas e delicadas, um agrado que tem saboreado intimamente e aconchega a camuflada picuinhice sentimental, apesar de lhe causar constantes dissabores numa profissão que requer mãos másculas. Oásis para Américo, Nando e mais dois ou três. Sargento Joaquim Bonito, no trabalho, um competente e respeitado GNR destacado à beira-mar, no posto de Sesimbra. Tem abraçado a profissão com invejável idoneidade, um merecimento que o entretém e lhe apazigua a inquietude que inexplicavelmente cresce com a idade, com a imensa solidão. Porém, a melhor profissão para camuflar esta fragilidade.
Leva uma vida insonsa com os filhos, numa vivenda construída a custo, um bocado de terra murado com suor pestilento do sogro, martelado pela sua angústia e adornado pelo sonho da falecida Isabel, uma cerca amarela e uma Palmeira no jardim, chamaram-lhe ‘Vivenda Oásis’. Quando ela morreu ele ainda pensou em acabar com aquilo, mudar-se para um soalho simples. Mas, por respeito à mãe dos seus filhos aceitou o destino e todos os anos compra uns metros de cercado e as latas de tinta amarela.
Ultimamente tem-se dedicado a esta tarefa com inusitado prazer, maneja os pincéis com um sarcasmo crescente. Um vício que prospera tanto quanto atormenta.
O apelo surrealista, insensível à memória de Isabel e a todo o seu empenho, corteja-o para o improvável devaneio. Pensa ele, enquanto dá a primeira-de-mão.
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