segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Talvez o melhor perfil


pelo João Camolas


Zé Manel é amolador. Toda a vida o foi. Nunca conheceu outro oficio. Aliás, descende de uma longa linhagem de amoladores. o pai era, o avô também. o tetravô tinha inclusive amolado as pratas e polido as jóias de família do rei D. Carlos o que, noutras condições, seria motivo de orgulho.
É um homem rude à primeira vista, mas também à segunda. Não sorri. É daqueles tipos impenetráveis a quem custa exprimir mais do que duas palavras. Quando não se faz acompanhar pela sua bicicleta, movimenta-se em silêncio, de tal modo que passa discreto pelo mundo. É um homem perturbado e aparentemente sereno.
Zé manel tem 50 anos. é um português típico; nem alto, nem baixo. Moreno, olhos negros e tez queimada, encardida, severamente fustigada pela idade. Tem um cheiro demasiado usado, gasto do tempo, mas muito intenso. É entroncado e “seco”, como é de esperar de alguém que percorre a pé as 7 colinas de Lisboa, soprando na sua gaita há mais de 40, sempre sem tirar os olhos do chão. A barba usa-a por fazer e quando a corta é com uma das suas facas o que lhe dá um aspecto severo e ainda mais áspero. O cabelo usa-o sempre curto.
Não tem amigos nem família. Apenas duas grandes paixões: as mulheres - putas, rameiras e quanto mais reles melhor –, diz que "o fazem sentir mais homem"; e o Benfica. Perde horas com as duas. De manhã enquanto traga a sandes de queijo e sorve a mini "do costume", na mesma tasca suja há 30 anos, e discute, em duas palavras de cada vez, as notícias do “glorioso” lidas, ali mesmo, nas paginas do Correio da Manhã – a sua bíblia. À noite, enquanto ciranda pelas ruas, as "do costume" há perto dos mesmos 30. Zé Manel nunca se exalta nem transpira.
A paixão doentia por prostitutas deriva da relação com a mãe, mulher-a-dias beata que recebia senhores nas horas vagas e abusava repetidamente do filho, obrigando-o a dar-lhe prazer sempre que saía um dos amantes. "ajudada a limpar o pecado", dizia ela. A devoção por Deus da mãe, ajudava sim a compreender a distancia com que Zé manel encarava hoje a igreja – à distancia.
Ainda assim ouve a Rádio Renascença, religiosamente. É a sua companhia que chega por um velho transístor, durante as caminhadas em busca de clientes, e também como cliente.

Tem apenas um vício: estripar prostitutas.

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