terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

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Sabia que a crise estava prestes acontecer novamente. Já não era novidade e sabia bem identificar os sintomas da sua própria doença, além disso o corpo desmembrado de Oddy, revelavam a existência do primeiro ataque, e a experiência dizia-lhe que muito em breve viria a segunda leva. As crises tinham começado há muitos anos atrás, quando ainda era pequena. Pequenas elipses de consciência, foi a designação exacta dos médicos. Buracos negros no cérebro, foi a explicação simplista da mãe. Uma imagem que a aterrorizou praticamente durante toda a sua meninice e boa parte da adolescência. A resignação de que era diferente. Incapaz. Doente. Mas não tinha uma doença qualquer, era uma doença das boas, daquelas que se alojam na mente. Daquelas que nos afastam de tudo e todos. A escola passou por isso a ser o inferno na terra, e o local primeiro para testar as qualidades mestras que tal condição lhe reservava. No inicio não se tinha apercebido bem das vantagens da sua condição. Acordava nos locais mais estranhos, com manchas de sangue nas mãos, ou na roupa, junto a objectos que não eram seus, mas que assumia como recordações. Não sabia bem do quê, nem sequer de quem, mas transmitiam-lhe uma inexplicável sensação de poder e prazer absoluto. Era frequente, nos dias seguintes que se seguiam a estes episódios, surgirem nas notícias locais, informações sobre crianças desaparecidas, ou vítimas de ataques violentos. Tão violentos que deixavam marcas para a vida; o agressor tinha por fetiche a manietação. Preferência para olhos, língua e mãos. A polícia sentia-se exasperada pela falta de provas e a incapacidade destes miúdos em recordarem qualquer indício que fosse que lhes permitisse porem-se no encalço do atacante.
Foi lentamente que Anna tomou consciência de que era a responsável pelas atrocidades que recheavam as noticias e inebriavam de pânico a população em geral. Mas o que lhe ressaltou desse momento foram as habilidades que os seus “buracos negros da mente” lhe possibilitavam. Do enorme poder que se revestia durante os “apagões”. Nunca, por um único segundo, lhe ocorreu a crueldade.
A mãe, uma mulher de fraco espírito mas profundamente dedicada ao marido e aos filhos, terá sido a única aperceber-se das coincidências dos blackouts e, particularmente, da escolha minuciosa que parecia estar inerente ao processo de selecção das vítimas. Mas antes que Anna pudesse ter encontrado forma de a silenciar, a mãe diligenciara com uma enorme dor e capacidade de resistência à exasperação manifestada diariamente pelo pai, em a internar num sanatório para doentes do foro mental, pertencente à ordem religiosa das Carmelitas, certa de que a proximidade a Deus e à Ciência, a fariam retornar ao caminho dos comuns.
Mas Anna não era uma pessoa comum, e logo-logo encontrou forma de o demonstrar.

3 comentários:

M. disse...

Bolas que isto deve estar mesmo uma cagada... ninguem comenta...

Van disse...

é da aflição, o que escrever depois?!

está óptimo!

Andreia Azevedo Moreira disse...

Está mt bom sim sra! Mas ando meia por fora contra minha vontade. Regresso à vida em breve. Bjinhos!!!