segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

# 8

Sentiu que a vida, aos poucos, lhe regressava ao corpo dorido. Fez um esforço para serenar a respiração, e aguçar os sentidos ainda adormecidos. Tarefa relativamente fácil para alguém igual a si. Com o seu passado. Com o seu dia a dia.
Sentiu a presença dela junto a si. Anna, recordou com melancólia. Por instantes ponderou não dar ouvidos à precaução, e atirar-se-lhe num abraço imenso. A experiência de anos, e os acontecimentos das últimas 24 horas, aconselhavam à total precaução. Por isso, manteve-se quieto. Corpo inerte. Olhos cerrados. Respiração tranquila.
Com a chegada das dores, horríveis e sem réstia de misericórdia, vieram igualmente as recordações: a reunião com Oddville, a oferta de emprego, o envelope A4 de cor parda, o bar do Cais do Sodré, o hotel decadente, Anna, e por fim a soqueira. 24 horas em formato slide show.
Erika, chamou a voz que identificou como sendo a do terceiro homem. O homem da seringa.
Confirmaste a entrega? - voltou a inquirir a mesma voz.
Sim - respondeu Anna, ou melhor Erika, num tom metálico - Guia e não faças mais perguntas, retorquiu, ainda com renovada frieza.
Erika. Erika e não Anna. Os pensamentos corriam-lhe velozes. A filha. A filha de Anna. A sua filha. talvez. Nunca o soube ao certo. Nunca procurou saber.
Sentia-se a perder o controlo. Não conseguiria evitar, por muito mais tempo, que o descobrissem desperto. As palpitações tornavam-se evidentes e a gotas de transpiração surgiram do cabelo negro espesso, rumo à face.
Sossega - diz-lhe ela, baixinho junto ao ouvido, com dissimulada ternura - não precisas de continuar a farsa muito mais tempo. Estás acordado, e estamos quase a chegar ao nosso destino final ... papá.

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