terça-feira, 27 de janeiro de 2009

#16

- Bebe.
Disse Erika, sentada à sua frente num escritório à patriarca, pejado de calhamaços e odor a tabaco.
- Onde... onde estamos?
- No escritório de Oddville. Ainda gostas de whisky irlandês, certo? Old habits die hard.
Ele agarrou o copo com a mão trémula e o gosto apurado. Sim, soube-lhe bem. Pela vida. Até tinha uma única pedra de gelo, como ele gosta. Contudo, o trago valente não lhe reavivou a memória.
- Submeteram-te a hipnose. Deram-te o soro da verdade, já ouviste falar?
- Não...
- Também não interessa. Avançaram pouco. Estás bem fodido, tu... - e sorriu, genuína, dir-se-ia divertida. Como uma criança.
Ele não teve tempo de fazer outra pergunta. Erika antecipou-se.
- Temos pouco tempo. O que queres?
- Respostas. Primeiro...
- Sou filha da Anna. Tua filha.
- Sou um assassino?
- Depende. É um substantivo com uma carga demasiado negativa. Para mim não.
- Porquê?
- Porque o homem que mataste é o assassino da minha mãe.
E aqui ela foi resoluta, cortante. Ele não teve tempo para duvidar. Lembrou-se das próprias mãos ensanguentadas no pesadelo. Cofiou a barba à procura de tempo.
- Não queres saber quem é Oddville?
- O homem que me contratou. Pelo menos é do que me recordo. Mas...
- Oddville não te quer para nada. És um adereço da peça protagonizada por um certo envelope.
- Não sei do que falas.
- Mentes mal. Mas isso já eu sabia.
- Desculpa, mas não faço a mínima ideia de onde te conheço. Não me lembro de matar ninguém. Talvez seja o choque, o trauma de...
- Achas que foi por isso que resolveste apanhar o avião?
- Não sei.
- Escuta. Posso contar-te tudo, explicar-te até porque deixaste crescer a barba, mas temos pouco tempo e preciso mesmo que me digas onde está o raio do envelope. As nossas vidas dependem disso.
Ficou confuso. As nossas. Plural? Porquê esta cumplicidade, este laivo de mulher sincera vindo de quem ainda há pouco lhe apontava uma arma? Anna morta, Anna morta, sim, começa a assentar-lhe como um sereno curso de água no campo. É verdade e ele sempre soube. Não é como se lhe chocassem a amnésia garantindo-lhe que é, de facto, o Presidente da República.
- Não te lembras mesmo, não é? - e Erika deita uma mirada rápida à porta entreaberta enquanto deixa cair uma alça do vestido e se aproxima, com vagar. Contorna a mesa do escritório, volta a espreitar o mundo atrás da pesada porta de mogno e só agora ele dá conta de que está sentado no lugar dominante desta cena, como um patrão a receber a secretária no escritório. Ela senta-se sobre a sua perna direita e sorri.
- Q... que estás a fazer?
Erika entrelaça as mãos em redor do seu pescoço e, mesmo antes de fechar os olhos para um beijo de culpa demorada - o inominável, o inominável, o inominável:
- Não querias respostas, pai?