quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

#18

A cadência da sua dança a inebriá-lo. Monta-o como quem lhe conhece o colo há uma vida.

- Desde quando?

Ela não responde e lambe-lhe os lábios. E brinca consigo explorando-o com a língua. Ele pouco resiste. Sempre se sentiu diferente. Sempre se viu monstruoso. Capaz de tudo. Mas disto não se recordava mesmo.

Náusea. A música maldita que lhe regressara aos ouvidos. O deleite em simultâneo. Culpa. A incerteza insidiosa, agora, de um passado em que o inominável parece ter-se repetido até à exaustão. A forma como lhe conhece o corpo não é de agora. Percorre-o de forma certeira, como se, se satisfizesse a si própria.

Os traços que recordava não eram, afinal, os de Anna? A última lembrança de Erika, era a dela criança ainda, pendurada no seu pescoço, numa qualquer despedida. Quando e em que circunstâncias se teriam reencontrado. Passar-se-ia isto desde então? E a culpa a fugir-lhe pelos poros, em cada beijo que recebia, em cada movimento sôfrego, no corpo da própria filha. Tudo se encaixava. Aquelas sessões ridículas no consultório de Vozone. Aquele escavar agressor da sua intimidade em busca disto. Delicioso. Pensa e ri-se com gosto. Talvez o quisessem chantagear para que entregasse o envelope. Desconcentra-se. Ela olha para ele de forma cúmplice e continua ritmada. Ele alterna entre a repulsa e o desejo. Não lhe parece que seja ele o carrasco. É ela quem comanda o que acontece. É ela quem brinca com ele, qual Lolita. Mas isto é pior. Isto é muito pior.

Sou pai dela. – Vai repetindo mentalmente.

Ela como se lhe adivinhasse os pensamentos acelera, brinca com ele, quer vê-lo rendido, desnorteado.

- Diz-me onde está. – Sussurra-lhe ao ouvido, puxando-lhe os cabelos na nuca, enquanto endurece os movimentos. Pancadas secas na estante. – Onde é que está o envelope paizinho?

Começa a trautear a música que o persegue há meses, ignorando-lhe o pedido e ela pára petrificada. Levanta-se de rompante, com os olhos marejados de lágrimas, deixando-o vulnerável e despropositadamente erecto, agora que não o acolhe. Abandona-o no escritório naqueles preparos, atirando-lhe um último olhar de desprezo. O olhar que ele lhe deveria ter merecido enquanto o fodia, afinal de contas, é seu pai.

E jamais um pai deveria sujar um filho desta maneira.

- Mas afinal que música é esta?

E acaba sozinho o que ela começara, com um sorriso estúpido de prazer no rosto, ainda alheio ao que o esperava.

(Imbecil.)

6 comentários:

MóniKa disse...

Estou chocada.

Van disse...

Eu achei um grande texto.

Andreia Azevedo Moreira disse...

Se todos os que participam quiserem eu retiro. Não quero ferir quem quer que seja. Foi um caminho. Posso retroceder.

Andreia Azevedo Moreira disse...

P.S. Estão a assumir portanto que Boris é mesmo pai de Erika daí o choque. A imaginação é o que quisermos. E isto pode tanto ser o inominável como um engodo. Mas lá está, não pretendia chocar, por isso vamos a votos e eu retiro sem qualquer problema o texto. Um abraço.

LFB disse...

Retirar?

Está óptimo, Andreia!
Além disso, se alguém é culpado de abrir a caixa de Pandora sou eu. Mas, para fazer jus ao inominável, tinha de ser algo chocante.

Tentei, no meu último, unir umas quantas pontas soltas mas depois confesso que não resisti a um twist do c****** (para usar o termo técnico, claro).

Seja como for, ainda não sabemos o que está no envelope nem porque Anna foi morta... há pano para mangas.

beijos!

Andreia Azevedo Moreira disse...

Obrigada Luís. M. que dizes? Continuamos? Aguardo instruções. Somos uma equipa. Bjs