sábado, 11 de outubro de 2008

Carta a Sidney Lumet




Lisboa, 25 de Setembro de 2008
Caro Sidney Lumet,

Tenho a certeza que viver 80 e muitos anos lhe dá toda a legitimidade para falar dos podres que assolam o lado mais negro da alma humana. O senhor pegou numa família, matou a mãe, passou a filha para um plano mais que secundário, retratou a nora como uma fulana desastrosa, infiel e com questões sexuais por resolver e assim deixou três homens entregues a eles mesmos. Entregues a sentimentos de culpa por não terem cumprido expectativas (mesmo havendo feito o melhor que conseguiram), fracasso profissional, falhanços sentimentais, dependência de drogas, casas merdosas atoladas de medo, apartamentos de luxo vazios de cor e um plano de assalto absurdo cujo resultado deu no que deu.
Caro Sidney Lumet,
Eu estou a chegar a uma etapa da vida em que, depois de um dia duro de trabalho, o que me apetece mesmo ver é a Rita Pereira a limpar estábulos ou a ensinar criancinhas a montar, munida dos seus calçõezinhos curtos e de pernão bronzeado à mostra, o que é, como todos sabemos, o traje do comum professor de equitação. Também não digo que não à Teresa Guilherme, do alto da sua sabedoria e conhecimento sociológico, inquirindo da vontade de um pai de família bigodudo em aviar dois gajos por uma pipa de massa. Portanto, senhor realizador, a ver se nos entendemos: ou bem que passo a escolher melhor a minha programação nocturna ou bem que você passa a criar filmes um tudo nada diferentes que não me deixem a pensar que isso da lealdade é uma treta e que o bicho homem é uma causa perdida, sem redenção.

Com admiração,

Fátima Ferreira

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