SORRISO DE MORTE
Nasceu palhaço. No circo, todos admiravam a sua extraordinária capacidade para fazer rir. Era impossível ficar indiferente à sua piada natural. As suas palhaçadas eram verdadeiramente contagiantes e provocavam sempre ruidosas gargalhadas. Tinha portanto o dom do riso. Não passava pela cabeça de ninguém que alguém que vive a rir pudesse ser infeliz. Foi por isso que o suicídio do palhaço apanhou todos os artistas de surpresa. Maior choque teve a trapezista quando o encontrou já morto, nu, gelado e roxo, pendurado mesmo no centro da enorme tenda de circo. Mas o mais bizarro é que o palhaço morreu a sorrir. Parece que nem a morte conseguiu contrariar-lhe a natureza de palhaço. Morreu portanto alegremente enforcado. A rir da própria morte. Tal facto causou grande estranheza. Ninguém compreendia porque razão o palhaço se havia sorridentemente matado. Todos desconheciam que sofria por dentro do sorriso. A razão da sua tristeza era a súbita notícia da morte da mãe. E o pior é que não foi capaz de verter uma única lágrima. O palhaço confrontava-se com a dura realidade de não saber chorar. Por isso, não conseguia deitar cá para fora toda a dor que lhe assaltava o peito. Sentia-se desesperado por não conseguir chorar a morte da própria mãe. Achava-se indigno do luto materno e por isso decidiu pôr termo à própria vida. Seguiu o seu ritual circense diário mas ao contrário. Não se vestiu de palhaço como habitualmente, desnudou-se. Nem se pintou de palhaço, pelo contrário, apagou todos os vestígios de maquilhagem. Apoderou-se do chicote do domador de leões, e dirigiu-se para o centro da tenda. Antes de se enforcar ainda se olhou no pequeno espelho que trazia na mão na esperança de encontrar uma lágrima mas continuava simplesmente a sorrir. Ninguém duvida que morreu palhaço.
Mónica Cunha
2 comentários:
Muito, muito bom, Mónica.
Este texto deixou-me um aperto no peito. Muito bonito Mónica. bjitos
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