sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Exercício: escrever um texto sem "que's"





Observações do quotidiano ou Das septuagenárias de ar amoroso

Ahhhh. As viagens de comboio Carcavelos-Lisboa.... Andam vocês a matar-se à procura de ideias para textos e mal sabem o manancial escondido atrás daquelas portas automáticas.
Entra uma velhota na carruagem, de muletas, a pedir dinheiro para os remédios.
Outras duas, sentadas à minha frente, fazem um esgar de indignação, retorcendo o bigode enrugado. Começa o rosário de uma delas (e eu saco da agenda e do lápis para registar o momento):




Ai!! Isto faz-me cá uma confusão...estas pessoas andarem assim a pedir...uma vergonha! Quem trabalha, não passa fome. Eu nasci em 1930, 'tou aqui cUmo doente de alto risco. Nunca pedi. Tenho um papel na carteira a dizer isso. Sete operações em cima, saiba a senhora. Já tirei um rim, tirei a vIsícula, fui operada aos intestinos (puxa a camisola de malha para cima e mostra, p'ra todo o mundo ver, a cicatriz na barriga), pus próteses nas pernas, tive um AVC e ainda ontem me deu uma dor na mama. (E, com o dedo indicador, aponta a dita protuberância) E fiz uma grande obra - mesmo sem o incorrigível do meu marido, aquele bêbAdo, estupor ! - criei uma menina cega e montei-lhe o casamento tUdinho.


(Entretanto, com a graça do Altíssimo, chegámos ao Cais do Sodré e o relatório ficou por ali...)



Fátima Ferreira

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