quarta-feira, 29 de outubro de 2008

O XICO ESPERTO

uma crónica de João Mendes (ou a exaltação de um gestor honrado)

São 5 da tarde e preparo-me para mais uma pausa para o cigarrinho. Como todas as tardes ando para o café aqui mesmo ao lado para comer um folhadozinho com o habitual café. Entro, a pacatez normal de um café da baixa a uma hora morta.

- João como é que é? - ao que respondo o habitual - É branca. Dá-me um folhado e um café Sff.
Os 5 minutos encostados ao balcão são normalmente usados para saber as últimas novidades da Baixa: sejam novos carteiristas, o estrangeiro cuja indicação do próximo supermercado passa por apanhar o comboio da linha de sintra ou mesmo ouvir as cusquices mais mórbidas como a do homem que só teve emprego até ao dia que o pai morreu, pois essa tinha sido a promessa do patrão ao pai falecido.

No entanto, quando não há novidades, aproveito para pensar na vida e naquilo que ainda tenho que fazer... já disse alguém uma vez: “o maior erro de qualquer gestor é não parar para pensar”. Contudo, esta tarde seria diferente.
Enquanto peço o dito folhado reparo na conversa de 3 “ velhos do restelo “, olhos brilhantes, rodeados de bejecas mesmo atrás de mim. Discutem bola como habitualmente, mas naquele dia o assunto não era o jogo em si. O assunto era a esperteza do Dr João Vale e Azevedo.

- O gajo é que é esperto.. f.. engana meio mundo e ainda se ri -, ao qual responde um outro, bem apresentado e com ar de Dr. também.

- Não, mas esse gajo é bom, pah. Esse gajo é um senhor. O gajo é bom. O Gajo sabe enganar como ninguém. Gajos como ele é que fazem fortuna nesta vida. Se um gajo não for esperto nunca há-de ser ninguém –
- Penso eu. - SE UM GAJO NÃO FOR ESPERTO NUNCA HÁ-DE SER NINGUÉM?
Então mas um gajo que rouba meio mundo, destroi famílias à custa da sua ganância, prova que a justiça em Portugal não funciona, é que é bom? Um gajo que falsifica assinaturas e destrói provas, entre outras atrocidades, é que é bom? Mas alguma vez alguém ouviu falar da esperteza de Einstein, Nietzsche, Luther King, Bell, Branson, Larry Page ou Sergey Brin?
Sou complemente contra a filosofia do Xico esperto. Aliás, irrita-me. Irrita-me profundamente. O Tuga é esperto, tem que ser. E se não é, ou não é tuga ou então há-de levar porrada, entenda-se calotes, calunices, etc, até aprender. Parece que o esforço, dedicação, profissionalismo, competência estão arredados da nossa sociedade. Assusta- me a forma como pretensos líderes como Santana, Soares, Portas ou Sócrates reúnem as características todas do Xico esperto, exaltados, apoiados, venerados por massas. Contudo poucos são aqueles que reconhecem nos seus atributos os valores morais necessários à liderança de um País, de uma região, de um lar... de uma barraca.
Não sou santo, muito menos anjinho. Tento ao máximo defender os interesses de quem me protege, mas nunca passar por cima dos valores que tenho enquanto ser humano.
Defendo que para tudo há que ter alguma dose de sorte e esperteza, mas também que a sorte protege os audazes. Defendo que para certas alturas é necessária a esperteza certa para lidar com adversidades - sendo esta mesma criticada esperteza que poderá nos conduzir ao sucesso.
Simplesmente não a defendo como forma de vida.

1 comentário:

MóniKa disse...

"pretensos líderes como Santana, Soares, Portas ou Sócrates"

Talvez seja mais justo não meter todos no mesmo saco.
Mónica