O ALA é aquele avô ranzinza a quem perdôo tudo o que diz. Não por ser demasiado permissiva (ou mesmo submissa diante do génio) mas porque se assim não fosse, não seria o “meu avô” ALA. É um homem tímido (parece-me), receoso do contacto com “os outros”, facto que disfarça com caretas e trejeitos, com tiques que se assemelham ao à vontade que se tem apenas entre amigos. Talvez a familiaridade fosse dirigida apenas ao CVM. Deu-me uma imensa vontade de rir a cara compenetrada do CVM pensando possivelmente “Só espero que isto corra bem” (pareceu-me vislumbrar algum nervosismo. É natural. O meu avô ALA não é fácil). Inúmeras vezes ao longo da noite o sobrolho soerguido que a mim gritava “Quê pá?” mas pretendia ser um “Oh claro que sim. Estou mesmo a ver/sentir tudo o que diz. Não, não estou perdido no emaranhado de palavras que lhe sai da boca”. E ao meu avô ranzinza não se pode dizer o mesmo que se diz aos restantes, a nós comuns mortais. O que é para nós, não é para ele. E um atrapalhado (Pareceu-me. Ou seria encantado?) CVM dizia “desamigos” para não proferir “inimigos”, dizia “vozes” em vez de personagens, “livro” jamais (!) romance, porque para o meu avô ALA nada pode ser o que é. É sempre tudo “OUTRA COISA”. A literatura? É “OUTRA COISA”. Não isto que andamos a ler. Os lixos que hoje se publicam. Aspirantes a “escritores” (Que jamais o serão: “uma coisa é escrever livros outra coisa, lá está, é ser escritor.) enviam-lhe os seus manuscritos (doce ingenuidade de que já fui também acometida) na esperança de uma mão amiga. Mas ele desdenha. São na maioria muito maus. “Uma merda”. Oh avô não fale assim das pessoas que lhes fere os sentimentos. Pensa ele, que todas essas pessoas querem apenas ser FAMOSAS. Pensa ele que poucos nasceram com essa premência, com essa maneira de SER. Apenas dois, máximo três no nosso país se podem dizer escritores. Apenas dois, máximo três pertencem a essa casta superior. Avô: a literatura, essa “outra coisa” de que tanto falas, não estou certa de saber o que é. Não te levo a mal que ostensivamente mo mostres, me dês conta de forma quase cruel da minha ignorância. Não te levo a mal porque vá-se lá saber porquê adoro essa tua maneira de ser. Fazes-me rir no meio de toda essa sobranceria que não posso garantir seres tu mesmo, ou uma máscara que colocas para os “outros” que te deixam desconfortável. O meu avô ALA é tudo menos linear. Não fossem as crónicas da Visão, que anseio todas as semanas ler e às quais ele chama com algum desprezo “piscinas para crianças” (por terem sempre pé) e talvez eu tivesse de admitir que ler ALA (nota: só li o “Ontem não te vi em Babilónia”) não é para mim. Sou uma pessoa simples que talvez nunca alcance as tuas “vozes” avô. Uma senhora ontem teve coragem para dizer por outras palavras que não percebera patavina dos teus livros. Perguntou-te o que dirias tu a um leitor “hipotético” que se munira de lápis e bloco de notas ao mesmo tempo que lia um teu livro para poder “perseguir” as vozes (leia-se personagens) e perceber para onde iam, de onde vinham, como reapareciam no labirinto (leia-se livro, jamais romance). Olhaste para ela incrédulo. “Labirinto? É tudo tão óbvio, tão claro, se se deixarem guiar pelos sentidos, o livro fala-vos, explica-vos tudo.” Oh avô lamento, sempre pensei ser uma pessoa intuitiva, que lia com o coração e afinal não sou, porque ao ler-te baralhei-me e fiquei assim até hoje. Gostava muito de te saber ler. Encantas-me quando num minuto dizes que te “estás nas tintas” para os leitores e no seguinte dizes coisas como “entrar no coração do coração”, “escrever sentimentos/emoções, estar no meio das vidas, ser as pessoas” ao invés de debitar simplesmente histórias. Esse binómio arrogância/sensibilidade...Essa tua peculiar maneira de ser no fundo (simplesmente) humano como nós, “os outros”. Acho-te piada que vives sem as coisas que para os outros são essenciais: cartão MB, telemóvel, computador. Para ti supérfluas. Sei bem porquê, precisas só do papel em branco, da caneta (bico grosso?) e do teu pensamento com vida própria. Só isso te basta. És uma pessoa encantadora nesse teu modo rude de ser. Só mais uma coisa, lembras-te avô da história que ontem contaste? De como te sentiste afrontado quando ao entrar maltrapilho num stand e enquanto olhavas para um Volvo Coupe que te encantou (a ti que nem ligas a carros) o vendedor te ter dito (ao cometer o erro crasso de não te reconhecer): “Isto não é para si”. Lembras-te que o compraste porque ele te disse que não podias? O mesmo se passa com a escrita. Ainda que me digas, de forma devastadora, olhando-me nos olhos com o teu azul profundo que “ela” jamais será para mim eu digo-te avô que É. E sim, será. Enquanto houver em mim um coração a pulsar, não desistirei de escrever.
Um grande beijinho avô.
Andreia Azevedo Moreira.
Um grande beijinho avô.
Andreia Azevedo Moreira.
P.S. Isto a propósito da conversa com o António Lobo Antunes no "CAFÉ COM LETRAS" ontem na Biblioteca de Oeiras. Entrevista com Carlos Vaz Marques.
4 comentários:
Força Andreia!
Mónica
Força todos nós Mónica. Não apenas a mim. Bjinhos. :)
Olá Andreia. Só para dizer que produziste aqui uma belíssima crónica, com estilo, ritmo, apontamentos divertidos e um caminho forte - sabias para onde ias e, devo dizer, não podia estar mais de acordo contigo!
beijinhos,
Luís
Obrigada Luís! :) Beijinhos
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